Tratamento aumenta sobrevida em câncer de pulmão e reduz risco de morte em 25%
Em estudo apresentado em congresso europeu, 56% dos pacientes estavam vivos após 3 anos e meio em comparação a 44% em tratamento padrão

PARIS* – Um novo tratamento para câncer de pulmão avançado ou que já se espalhou pelo organismo (metastático) demonstrou capacidade de aumentar a sobrevida global dos pacientes em até 12 meses e reduzir o risco de morte em 25%. Segundo o estudo MARIPOSA, apresentado no Congresso Europeu de Câncer de Pulmão (ELCC, na sigla em inglês), em Paris, 56% dos pacientes com câncer de pulmão de não pequenas células com mutação do EGFR estavam vivos após três anos e meio em comparação aos 44% do grupo tratado com a terapia utilizada na atualidade, índice considerado um marco para uma população que, até 20 anos atrás, tinha sobrevida de apenas seis meses. Embora seja um avanço, o regime encontra desafios que vão dos eventos adversos ao custo elevado para a oferta em larga escala.
O câncer de pulmão de não pequenas células é o tipo mais comum e corresponde a 80 a 85% dos episódios da doença. Estima-se que metade dos pacientes com metástase apresenta alguma mutação genética e a que ocorre no gene EGFR corresponde da 19% desses casos. Os estudos têm se aprofundado em opções terapêuticas para aumentar a expectativa de vida pelo fato desse tipo de tumor ser agressivo e atingir uma população jovem, como mulheres na faixa dos 40 anos, não necessariamente fumante.
Em um acompanhamento por 37,8 meses, a sobrevida de quem fez o novo regime de tratamento foi de 60% contra 51% do grupo controle e a diferença no aumento da expectativa de vida dos pacientes se tornou mais visível na avaliação dos desfechos em 42 meses, com o índice 56% x 44%. O risco de morte foi 25% menor entre os que receberam a terapia inovadora. O trabalho ainda será publicado em periódico científico.
“Há 15 anos, apresentamos os dados de sobrevida global com gefitinibe. Eram 20 meses. E usando osimertinibe de terceira geração, aumentamos o tempo de sobrevida global para mais de três anos, 38 meses. Hoje é um prazer e estamos muito felizes em apresentar esses dados. Mudamos a prática de dois para três anos e, agora, provavelmente para mais de quatro anos”, disse James Chih-Hsin Yang, professor e diretor do Instituto de Pós-Graduação em Oncologia da Universidade Nacional de Taiwan e um dos autores do estudo.
Como foi feito o estudo?
No estudo de fase 3, foram avaliados 1.074 pacientes de 28 países, inclusive do Brasil. Os participantes foram divididos em dois grupos e parte utilizou a combinação entre o amivantamabe (de nome comercial Rybrevant)– um tipo de anticorpo — e o lazertinibe, um inibidor da proteína tirosina-quinase (TKI), que impede a proliferação das células cancerígenas, ambos da Johnson & Johnson. O grupo de controle fez o tratamento utilizado como padrão atualmente, realizado com osimertinibe, também um inibidor da proteína.
“O câncer de pulmão está recebendo muito investimento em pesquisa e inovação porque ainda é o tipo de tumor que mais mata no Brasil e no mundo. No passado, quando um caso metastático era tratado só com quimioterapia, a sobrevida era de apenas seis meses. Os novos tratamentos estão impactando na sobrevida global”, explica Deise Almeida, diretora médica da Oncologia da Johnson & Johnson Innovative Medicine no Brasil.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o tumor é o terceiro mais comum em homens e o quarto mais frequente em mulheres, quando excluído o câncer de pele não melanoma. Por ano, são 32.560 novos casos e 28.868 mortes no Brasil.
Como o grupo tratado com a combinação ainda não atingiu a sobrevida global mediana — o valor central da amostra — para a comparação com o osimertinibe, os pesquisadores vão continuar acompanhando os resultados e já calculam, com base nos dados, que a longevidade adicional em relação à terapia padrão será superior a 12 meses. Ou seja, passa dos atuais três anos para quatro.
Os achados foram celebrados por oncologistas que acompanharam a apresentação. “O dado mais robusto que podemos ter na ciência é o aumento da sobrevida, então, estamos vendo uma mudança de paradigma de uma doença aguda para um quadro crônico”, diz Tatiane Montella, oncologista torácica da Oncoclínicas&Co. “É a primeira vez que vemos que a combinação de duas terapias pode trazer sobrevida maior em pacientes com metástase. É um resultado encorajador.”
Redução do risco de tumores intracranianos
Outro resultado apontado foi a redução significativa da sobrevida sem o espalhamento das células cancerígenas para o sistema nervoso central, um desfecho que preocupa especialistas e pacientes.
“Além do benefício para a sobrevida global, que é maior do que 12 meses, o dobro dos pacientes sobreviveu sem progressão de tumores intracranianos por três anos”, explicou Enriqueta Felip, chefe da Unidade de Câncer Torácico e de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oncologia do Hospital Vall d’Hebron em Barcelona, na Espanha. No grupo que recebeu a combinação, o índice dos que não tiveram proliferação de células tumorais foi de 36%. No outro, foi de 18%.
Eventos adversos e desafios
O resultado do estudo é animador também por ter sido realizado em comparação a um tratamento consolidado e que é eficaz para pacientes que vivem com o câncer de pulmão de não pequenas células. ” O osimertinibe é uma medicação padrão há alguns anos e com resultados muito bons e com boa tolerância. O paciente toma um comprimido por dia e consegue ficar com a doença sob controle até por anos”, diz o especialista em tumores torácicos Igor Morbecko, diretor médico do grupo Oncoclínicas em Brasília.
Morbecko afirma que o tratamento promissor terá de ser colocado na balança, não só pelo fato de que a terapia padrão ser bem tolerada, mas porque há questões a serem superadas. “Em oncologia, o desfecho de sobrevida global é mais importante e é almejado por médicos e pacientes. Isso é relevante e se torna mais uma opção de tratamento. Mas o osimertinibe deve continuar sendo a principal indicação, porque a (nova) combinação causa muitos efeitos colaterais. Ele é tóxico para a pele e para as unhas.”
Os eventos adversos do tratamento consistem principalmente em problemas dermatológicos, como erupções cutâneas e reações nas unhas, que se manifestam de forma mais exacerbada nos primeiros quatro meses do tratamento. Os sintomas não são irrelevantes. Tanto que foram alvo de outro estudo, também apresentado no congresso, que avaliou o manejo das reações adversas utilizando antibiótico oral duas vezes por dia e em versão tópica no couro cabeludo, hidratante e lavagem das mãos e pés com um antisséptico.
“Com essas medidas para gerenciamento dos sintomas, foi possível reduzir os eventos em 50%, evitando a descontinuação do tratamento”, disse Pascale Tomasini, professora associada de oncologia torácica no departamento de Oncologia Multidisciplinar e Inovações Terapêuticas em Marselha, na França. “Muitos oncologistas estão preocupados com os eventos colaterais dermatológicos, mas eles não são inesperados e o estudo mostra que gerenciar o tratamento vai trazer mais qualidade de vida para os pacientes.”
Neste cenário, os pacientes elegíveis ao tratamento terão de conversar com seus médicos para definir os impactos desses eventos adversos, considerando que eles diferem de reações que costumam ser associadas ao tratamento contra o câncer.
No caso do Brasil, a oferta do tratamento é outro desafio. Essa combinação recebeu aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em janeiro deste ano. O Rybrevant já está disponível no Brasil, mas o lazertinibe aguarda ter o preço estipulado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) para que possa, então, passar por submissão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para inclusão ou não no rol. A definição deve ocorrer ainda neste ano, mas, assim como outras terapias inovadoras, o valor inicial deve ser elevado.
É sempre importante lembrar que, por mais que fatores genéticos possam estar relacionados aos tumores de pulmão, o principal fator de risco para a doença continua sendo o tabagismo, hábito que deve ser eliminado o quanto antes.
* A repórter viajou para o Congresso Europeu de Câncer de Pulmão a convite da Johnson & Johnson Innovative Medicine no Brasil