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Vacinas de RNA mensageiro se mostram promissoras no tratamento do câncer

Método, usado contra o vírus da covid-19, voltou à sua proposta original — e estudos apontam os benefícios contra o melanoma e o tumor colorretal

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 15 jun 2024, 08h00

É como se fosse um retorno às origens. Anos antes de a humanidade se tornar refém de um patógeno avassalador e letal, com a pandemia de covid-19, cientistas quebravam a cabeça em uma tecnologia capaz de atacar tumores de um modo inédito: enviando instruções genéticas precisas ao sistema imunológico para despertar uma reação do corpo à doença. Eis que o coronavírus pegou o planeta de surpresa e pesquisadores sagazes tiveram uma ideia: por que não adaptar esse método a uma vacina contra o micróbio? Testada e aprovada, a solução baseada no chamado RNA mensageiro vingou. O resto é história, e as duas mentes por trás dos avanços críticos para o projeto sair do papel ganharam o Nobel de Medicina em 2023. Agora, com a pandemia sob controle, a ferramenta voltou à sua proposta original de combater um dos males mais temidos, o câncer.

Na última semana, durante a reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês), o maior evento do mundo a debater inovações nessa área da medicina, estudos clínicos apontaram os benefícios da abordagem para deter o melanoma, o mais agressivo câncer de pele, e o tumor colorretal, enfermidade em ascensão, inclusive entre pacientes jovens. A proposta das vacinas em sua vertente terapêutica é ousada e segue a mesma linha de raciocínio dos imunizantes contra infecções: ativar a produção de anticorpos, desta vez contra as células cancerosas.

INTERESSE GLOBAL - Asco: imunoterapia foi destaque no maior evento da área
INTERESSE GLOBAL – Asco: imunoterapia foi destaque no maior evento da área (@meetinchicago/Instagram)

O diferencial é que o produto apresenta uma cópia sintética do tumor do próprio paciente ao organismo, tornando-se um tratamento altamente personalizado. Em combinação com a imunoterapia mais tradicional, a inovação propiciou resultados potencializados. Isso foi demonstrado, em sessão da Asco, em uma pesquisa com dados de três anos de pacientes com melanoma de alto risco que receberam uma vacina terapêutica da Moderna junto com um imunoterápico. O risco de recorrência ou morte dos pacientes foi reduzido em 49%, e o de metástase (quando a doença se espalha), em 62%. Além disso, a taxa de sobrevivência sem retorno dos tumores foi de quase 75% em dois anos e meio. “Parece ficção científica, mas é muito bom ver que já temos a capacidade de bioengenharia para produzir algo assim”, diz o oncogeneticista Bernardo Garicochea, da Oncoclínicas&Co.

A vantagem da tecnologia é que ela vai além do tratamento para o tumor em atividade, como fazem os métodos mais convencionais e conhecidos, caso da químio e da radioterapia. “As vacinas podem se posicionar não só no cenário das doenças ativas, mas gerar resposta imunológica prolongada para o paciente resistir à volta da doença”, afirma o oncologista Pedro Uson, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Outros benefícios são a aplicação, que pode ser diretamente na lesão ou pela veia, além da duração das doses dentro do corpo. “Os produtos de RNA mensageiro têm proteção contra proteínas que podem degradar seus componentes.”

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CONFIANÇA - Elliot Pfebve: primeiro a receber vacina contra tumor no intestino
CONFIANÇA – Elliot Pfebve: primeiro a receber vacina contra tumor no intestino (University Hospitals Birmingham NHS//)

Foi nessa linha de evitar as recidivas de um câncer que se concentraram os testes com a fórmula da BioNTech focada em tumores colorretais. Após uma cirurgia para remoção de 30 centímetros do intestino grosso e sessões de quimioterapia, o professor britânico Elliot Pfebve, de 55 anos, foi o primeiro paciente a receber o tratamento experimental para evitar que a doença se manifeste novamente. Parecendo confiante, nas fotos que registraram sua sessão dentro do estudo, Pfebve faz parte de um projeto encabeçado pelo sistema público de saúde do Reino Unido que prevê a participação de 10 000 pacientes até 2030 em uma plataforma para o desenvolvimento de vacinas contra o câncer.

Pelo mundo, ensaios clínicos em diferentes fases desbravam a possibilidade de aplicação da tecnologia em lesões malignas no pâncreas, no fígado, na mama, na garganta e até no sistema nervoso central. Há desafios à vista, como a correta identificação dos pacientes aptos a se beneficiar do método. Também será necessário descobrir o número adequado de doses e o período de proteção delas. O tempo para produção dos componentes individualizados e o custo da terapia também entram no pacote das limitações. São etapas a ser vencidas na batalha contra um mal que ainda sabe se livrar das algemas da medicina. De volta para sua missão inicial, as vacinas de RNA sugerem que haverá menos chances de um tumor escapar.

Publicado em VEJA de 14 de junho de 2024, edição nº 2897

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