Quem vive perto de avenidas movimentadas, com trânsito pesado, tem maiores riscos de desenvolver demência (múltiplos déficits cognitivos que incluem comprometimento da memória, como Alzheimer), revela um estudo publicado nesta quarta-feira no prestigiado periódico The Lancet. A pesquisa, que avaliou cerca de 6,6 milhões de pessoas por pouco mais de uma década, indica que um em dez casos (aproximadamente 11%) do distúrbio em pessoas que vivem a menos de 50 metros de regiões com muito trânsito pode estar ligado à poluição dos automóveis.
“Poluentes no ar podem chegar na corrente sanguínea e levar a inflamações, que estão ligadas a doenças cardiovasculares e possivelmente a outras condições, como diabetes. Este estudo sugere que poluentes no ar que podem chegar ao cérebro via corrente sanguínea podem levar a problemas neurológicos”, disse Ray Copes, um especialista ambiental e de saúde ocupacional da Public Health Ontario (PHO), agência canadense ligada à província de Ontário, que conduziu o estudo junto a estudantes do Instituto de Ciências Clínicas de Avaliação, do Canadá.
Pesquisas anteriores já haviam encontrado indícios de que a poluição do ar e o barulho do trânsito poderiam levar à neurodegeneração, incluindo a redução da massa branca – tecido de sustentação do cérebro – e uma cognição mais baixa. A nova pesquisa é a primeira a investigar o impacto de viver próximo a áreas de trânsito pesado e o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas que atingem grande parte da população, como demência, Parkinson e esclerose múltipla.
Poluição e demência
O estudo utilizou o código de endereçamento postal (CEP) de adultos entre 20 e 85 anos de Ontário para determinar quão perto as pessoas viviam das grandes rodovias e fez o monitoramento dos registros médicos para saber se os indivíduos haviam apresentado sintomas de uma das três condições entre 2001 a 2012.
Ao longo da pesquisa, 243.611 participantes desenvolveram demência, 31.577 tiveram Parkinson e 9.247 apresentaram esclerose múltipla. Contudo, os cientistas observaram que, conforme a residência dos indivíduos se afastava das áreas com maior concentração de automóveis, o risco de desenvolver demência diminuía – a 50 metros de distância, o risco era 7% maior do que as áreas afastadas, enquanto entre 51 e 100 metros o risco caía para 4% e entre 101 e 200 metros para 2%. Já aqueles que viviam a mais de 200 metros não apresentavam um aumento significativo no risco. Os pesquisadores não encontraram relação entre o desenvolvimento de Parkinson e esclerose múltipla e a proximidade das regiões com trânsito intenso.
Os dados foram controlados para impedir que fatores relacionados à condição socioeconômica, instrução, obesidade e o hábito de fumar influenciassem os resultados. Segundo os pesquisadores, a exposição a longo prazo a dois poluentes pode estar relacionada à demência – o dióxido de nitrogênio e partículas ultrafinas que ficam em suspensão no ar. No entanto, eles assumem que essas não são as únicas causas e outros fatores podem estar associados ao surgimento da condição, como outros poluentes e o barulho do trânsito.
Especialistas independentes disseram que o estudo canadense tem implicações importantes para a saúde pública em todo o mundo. Tom Dening, do Centro de Demência e Idade Avançada da Universidade de Nottingham, disse que as descobertas eram “interessantes e provocadoras”.
“É improvável que Ontario tenha a pior qualidade do ar do mundo, então os riscos podem ser ainda maiores em cidades que estão habitualmente envoltas em fumaça de poluição”, disse ele.
Mal sem cura
A demência é causada por doenças cerebrais, mais comumente a doença de Alzheimer, resultado da perda de células cerebrais e que afeta a memória, a cognição, o comportamento, as capacidades de orientação e a capacidade de se realizar atividades do dia a dia.
Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) dizem que o número de pessoas com demência em 2015 chegou a 47,5 milhões, e o total está crescendo rapidamente à medida que a expectativa de vida aumenta e as sociedades envelhecem. A condição, incurável, é uma das principais causas de incapacitação e dependência de idosos, e está começando a superar as doenças cardíacas como causa de morte em alguns países desenvolvidos.
(Com Reuters)