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A civilização no martelo: o leilão da incrível coleção do cofundador da Microsoft

Documentos e computadores de Paul Allen mostram retrato das mudanças aceleradas entre o fim da Segunda Guerra e os anos 2000

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 set 2024, 08h00

Quanto vale um arrependimento? Exatos 3,9 milhões de dólares, algo em torno de 21,7 milhões de reais. Foi esse o valor pago, na semana passada, em um leilão da casa Christie’s, de Nova York, por uma carta escrita por Albert Einstein para o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, em 2 de agosto de 1939. Não era uma missiva qualquer. O mais celebrado cientista do século XX — àquela altura já vencedor do Nobel pelos estudos com a física quântica —, pacifista até o último fio dos cabelos desgrenhados, recomendava ao americano, na antessala da Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento de um programa nuclear, porque a Alemanha caminhava para uma bomba atômica. “No decorrer dos últimos quatro meses, tornou-se provável estabelecer uma reação nuclear em cadeia em uma grande massa de urânio pela qual grandes quantidades de energia e grandes quantidades de novos elementos semelhantes ao rádio seriam geradas. Parece certo que isso possa ser alcançado no futuro imediato”, escreveu o alemão, a quatro mãos com o húngaro Leó Szilárd. O resto é história, com o início do Projeto Manhattan, liderado por Julius Robert Oppenheimer, personagem central de um blockbuster de Hollywood no ano passado. Einstein diria depois, sucessivas vezes, ter sido o grande erro de sua vida — pelo qual se lamentaria.

A milionária correspondência (“indício do profundo impacto da tecnologia na sociedade”, na definição do texto de apresentação da Chris­tie’s) faz parte de um lote de 150 unidades levado ao martelo: é parte da coleção de Paul Allen (1953-2018), empresário e filantropo, fundador da Microsoft ao lado de Bill Gates, leitor ávido, guitarrista amador de excelência e sobretudo visionário, capaz de intuir antes o que os outros veriam depois. A memorabilia de Allen é uma linha do tempo da revolução tecnológica que ele mesmo acelerava.

INOVADORES - Ao lado de Bill Gates (à dir.), em 1981: revolução nas telas
INOVADORES – Ao lado de Bill Gates (à dir.), em 1981: revolução nas telas (@PaulGAllen/X/.)

Há leilões extraordinários, reveladores da vida íntima de personagens fundamentais da sociedade, como os de Freddie Mercury, o vocalista do Queen que morreu em 1991, e o de Elton John, que se desfez de suas coisas para levar vida menos ostentatória e colorida. A exposição pública das aquisições de Allen tem uma outra camada, única e reveladora: era como se ele mesmo incrementasse as transformações, ao desenvolver computadores pessoais, e fizesse dos objetos ultrapassados pela engenhosidade totens de um tempo pretérito. Dito de outro modo: ele fazia andar a locomotiva e, logo em seguida, tratava de guardar na garagem as traquitanas que tinham sido atropeladas, sem pena nem pompa.

É o caso dos imensos mainframes (um DEC PDP-10 de 1974 foi negociado a 189 000 dólares), do Apple Lisa, de 1983 (882 000 dólares), e de um Pac-­Man grandalhão, daqueles que ficavam em fliperamas (10 000 dólares). Resumo da ópera: Allen, de mãos dadas com Gates e concorrentes como Steve Jobs, puxava a linha do tempo, fazendo velho o que mal tinha nascido. O resultado final da oferta da Christie’s: 18 milhões de dólares, agora com compradores que preferiram se manter no anonimato e que levaram pedaços da civilização que começou com as linhas tortas de Einstein e culminou, por ora, na internet, nas redes sociais, nos smartphones e na inteligência artificial. Mas vem mais por aí, é óbvio, embora nunca, na trajetória da humanidade, tenham se dado tantas mudanças em tão pouco tempo, a partir do fim da guerra e da virada para os anos 2000 — mais do que no século XV, quando o alemão Johannes Gutenberg desenvolveu a máquina de impressões feita com tipos móveis, ou no apagar das luzes do século XIX, momento em que o americano Thomas Alva Edison acendeu a primeiríssima lâmpada elétrica, e nada seria como antes.

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DIVERSÃO E TRABALHO - O Pac-Man, de 1980, e o Apple Lisa, de 1983: a vida como ela é
DIVERSÃO E TRABALHO - O Pac-Man, de 1980, e o Apple Lisa, de 1983: a vida como ela é (Fotos CHRISTIE’S/Divulgação)

Allen, que gostava de refletir o que desfilava diante de seus olhos — em postura diferente da de Gates, de pôr a mão na massa, e ponto — intuía viverem um período decisivo e voraz. “O possível está sendo constantemente redefinido”, dizia. “Preocupo-me profundamente em ajudar a humanidade a avançar.” Preocupava-se, também, sabemos agora, em deixar um legado de conhecimento, como se fosse uma enciclopédia viva de inovações erguidas para melhorar o cotidiano — e, claro, acender o perigoso rastilho de pólvora de indagações éticas em torno do amanhã.

Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911

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