Um inusitado efeito colateral da avassaladora entrada das videoconferências no cotidiano de um sem-número de pessoas é a volta à cena de um tipo de móvel que, na era digital, perdera um tanto do seu charme: a estante de livros. De repente, ela se transformou na decoração de fundo preferida de quem se põe diante da câmera de smartphones e notebooks para participar, em especial, de reuniões de trabalho ou de entrevistas (no caso de jornalistas de TV, naturalmente as duas modalidades se esbarram).
É compreensível. Aquele desfile estático de romances, volumes de ensaio, biografias etc. ao longo de prateleiras e prateleiras ajudaria a incutir um ar de respeitabilidade, de cultura, de conhecimento de causa à fala de quem aparece no vídeo. Para os que se posicionam do lado oposto, haveria ainda a irresistível tentativa de descobrir o que as lombadas revelariam sobre o intelecto do interlocutor. Como de praxe, a internet não perdeu a chance de fazer piada com a novidade. Assim, as bibliotecas domésticas exibidas nas chamadas de vídeo viraram memes rapidamente.
No Twitter, o perfil Bookcase Credibility, em tom bem-humorado, assegura: “O que você diz não é tão importante quanto a estante de livros atrás de você”. A página se propõe a analisar uma suposta credibilidade das coleções de obras de quem participa de programas de televisão por meio de videochamada. Pontuando alto em todos os quesitos propostos, o âncora da rede americana CNN Anderson Cooper, que tem transmitido direto de sua casa, levou o prêmio como um dos fundos de estante de maior bom gosto.
Um viral divertido é a paródia de um anúncio que mostra um suporte de papelão com uma falsa estante de livros impressa. Apresentado como “perfeito para atores, jornalistas e comediantes”, ele poderia ser adquirido ao preço de 150 euros (cerca de 1 000 reais). A fotomontagem foi criada pelo ilustrador madrilenho Eduardo Berazaluce. E, para quem não tem o indispensável acessório, os apps já permitem retirar o fundo da transmissão em um recorte digital bastante grosseiro e trocá-lo por outro, falso — nesse caso, buscando no Google a imagem da estante dos sonhos.
Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687