A indústria se desdobra
Depois da queda nas vendas, os fabricantes de smartphones ensaiam um golpe contra a mesmice: um celular cuja tela pode duplicar de tamanho. Fará sucesso?
Desde o lançamento do iPhone, em 2007, deu-se uma espetacular proliferação de aparelhos portáteis que fazem de tudo um pouco. Hoje, estima-se que dois terços da população mundial tenham em mãos um smartphone. Os celulares multifunção não foram criados por Steve Jobs (1955-2011), mas ganharam sua feição mais conhecida — a tela negra espelhada, cujo nome, em inglês, dá título ao instigante seriado da Netflix Black Mirror, que debate justamente seu impacto na sociedade — graças à visão e à iniciativa do inventivo gênio californiano. A tela serviu bem à Apple e suas concorrentes por mais de uma década. No ano passado, porém, a mesmice cobrou um alto preço: o comércio global de smartphones, emprestando um jargão da aviação, “estolou”. Com 1,4 bilhão de novos aparelhos vendidos, a indústria regrediu ao patamar de 2014. Na visão de especialistas, há um fato concreto: os consumidores já não veem necessidade de trocar o celular a cada novo modelo lançado. “A criatividade é a chave para reanimar o mercado”, afirma o analista Francisco Jeronimo, da consultoria IDC.
O que fazer? Arriscar, inovar, ainda que muitas das novidades nem de perto alcancem a relevância pioneira do iPhone. Mas tenta-se. No contra-ataque à queda nas vendas, algumas das principais rivais da Apple apresentaram releituras originais do smartphone. Nas últimas semanas houve vários lançamentos. A chinesa Huawei, que praticamente empatou com a Apple em participação no mercado, revelou na maior feira do setor, a MWC, realizada em Barcelona, na Espanha, o Mate X, cujo principal atributo é a enorme tela de 6,6 polegadas. Não é a maior de todas, mas tem uma vantagem insólita em relação à concorrência: a capacidade de dobrar-se ao meio através de uma dobradiça mecânica de nome imponente, a Asa de Falcão. Dias antes, a Samsung, a líder do mercado, expôs um aparelho com inovação similar durante sua convenção em São Francisco: batizado de Galaxy Fold, ele, sim, oferece, quando aberto, o maior display do mercado, de 7,3 polegadas. “Vivemos num mundo onde o tamanho da tela era definido pela própria dimensão do aparelho”, disse Justin Denison, porta-voz do segmento mobile da empresa coreana. “Bem, acabamos de abrir uma nova dimensão.”
A chegada dos smartphones de tela dobrável só foi possível graças à introdução de um novo tipo de visor, feito à base de diodos emissores de luz orgânicos, mais conhecidos pela sigla Oled. Presente nas televisões mais modernas (e caras) disponíveis no mercado, a tecnologia viabilizou, inicialmente, a criação de telas em formato côncavo, que nas TVs possibilitam uma melhor visão para quem observa sua imagem em diagonal. As novas versões de telas Oled já permitem que sua superfície seja dobrada sem risco de danificar-se. Para isso, também foi substituída a película de vidro que protege o display por outro tipo de polímero, mais fino e maleável. A Samsung garante que o Galaxy Fold pode ser aberto e fechado “centenas de milhares” de vezes. Tal inovação, porém, tem preço, e é alto: o modelo chegará às lojas em abril por 1.980 dólares. O Mate X, da Huawei, custará ainda mais, cerca de 2.600 dólares, com lançamento marcado para junho — nenhum dos dois, porém, tem comercialização prevista no Brasil.
Embora seja evidente a comodidade de carregar no bolso um celular cuja tela pode multiplicar de tamanho, nada garante que os telefones dobráveis se tornem padrão da indústria, mesmo que haja otimismo. “Esses primeiros aparelhos dobráveis podem parecer um truque mercadológico”, disse a VEJA Chris Harrison, do Instituto de Interação Homem-Computador da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA. “Mas a tendência é que, com o passar do tempo e o avanço da tecnologia, as telas Oled se tornem tão acessíveis quanto os modelos convencionais. E há demanda por telas maiores.” Os fabricantes também apostam nas novas funcionalidades proporcionadas por esse tipo de aparelho. No Galaxy Fold, por exemplo, será possível operar três aplicativos simultaneamente. Parece muito interessante, mas para que mesmo?
Publicado em VEJA de 13 de março de 2019, edição nº 2625
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