Há dois tipos clássicos de empresário bem-sucedido. O primeiro tem personalidade discreta, evita holofotes a todo custo, mas tem uma capacidade de trabalho inesgotável. Estão nesse grupo o brasileiro Jorge Paulo Lemann, controlador de empresas como AB InBev e Kraft Heinz, ou até mesmo Bill Gates, que, apesar da timidez, transformou uma companhia nascida em uma garagem — a Microsoft — numa das maiores corporações do mundo. O segundo perfil é mais espalhafatoso, preferindo sempre a algazarra à discrição. Encorajados pelas redes sociais, eles supervalorizam os seus feitos e incorporam o papel de celebridades, como se os outros mortais estivessem a seus pés. O sul-africano radicado nos Estados Unidos Elon Musk é o exemplo acabado da segunda vertente. Musk tem uma história notável. Em apenas dezessete anos, ele pegou uma ideia — a Tesla — e a tornou numa das organizações mais valiosas do planeta. Mas isso não foi suficiente para acalmar o espírito agitado. Musk virou uma espécie de vendedor de ilusões. Entre outras promessas, ele garante que povoará Marte e diz que está em busca da vida eterna. Na história, poucos empresários foram tão ariscos e ambiciosos.
A nova jogada do terceiro homem mais rico do mundo é um chip que, diz ele, permitirá o controle de celulares e computadores apenas com a mente. Há alguns dias, um tenso Musk apresentou a novidade nos Estados Unidos. O tal chip foi implantado no cérebro da porca Gertrude, porque ainda é cedo para experimentos com humanos, e isso foi de certa forma uma decepção. Musk mostrou que, enquanto a porquinha emitia atividades neurais, um computador captava o que ela estava sentindo, como fome, medo ou felicidade. Não ficou claro se o computador conseguiu, de fato, entender as sensações do animal, mas Musk garantiu que é apenas o começo de uma grande revolução.
“Trata-se de um avanço estrondoso na inteligência artificial”, diz o pesquisador Walter Carnielli, do Advanced Institute for Artificial Intelligence. “No futuro, poderemos armazenar e reproduzir memórias e nos comunicar por meio da transmissão de pensamento.” O projeto suscita debates no campo da ética. O chip poderá custar centenas de milhares de dólares, o que levaria, por exemplo, a uma casta de super-ricos e superinteligentes. “Devemos agir com prudência”, diz o professor de filosofia da Universidade de Notre-Dame, nos EUA, Don Howard. “Seria questionável se pudéssemos criar supersoldados programados para matar.”
No ano que vem, uma pessoa de carne e osso será a primeira a receber o chip da empresa Neuralink, o braço cerebral dos negócios de Musk, e a partir daí, assegurou o empresário, terá sido dado o primeiro passo para que o dispositivo solucione problemas como paralisia motora, cegueira e dificuldades de audição. Num horizonte distante, sonha Musk, será possível gravar as memórias de um moribundo e instalá-las em um robô, e a humanidade estaria de certa forma diante da vida eterna. “O futuro será estranho”, resumiu o visionário.
O chip da vida eterna não é a única ideia extravagante saída da mente inquieta do dono da Tesla. No ano passado, ele disse que, até 2050, povoará Marte com 1 milhão de terráqueos. Por mais estapafúrdia que a ideia possa parecer, Musk mostrou recentemente que é bom não duvidar de seus projetos. Em maio, a SpaceX, a sua empresa de foguetes, foi a primeira companhia privada do mundo a enviar astronautas para o espaço. Os carros elétricos e autônomos da Tesla também estão comprovadamente entre os mais eficientes do mundo, deixando concorrentes tradicionais como General Motors, Toyota e Volkswagen comendo poeira.
Como não poderia deixar de ser, a personalidade de Musk irrita muita gente. Bill Gates ficou incomodado pelo fato de o colega ter uma postura negacionista a respeito do coronavírus. “O posicionamento de Elon é ultrajante”, disse Gates. De todo modo, Musk é o maior fenômeno corporativo dos últimos anos. A fabricante de carros elétricos Tesla viu seu lucro disparar 550% no último trimestre em relação aos três meses anteriores e, desde a abertura de capital, há uma década, as ações da companhia subiram cerca de 6 000%. Musk pode até ser um vendedor de ilusões, mas ele sabe, como poucos, onde está o pote de ouro.
Com reportagem de Sabrina Brito
Publicado em VEJA de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703