Quando o presidente da Apple, Tim Cook, subiu ao palco no mais recente evento de lançamentos da empresa, em 10 de setembro, já circulava pelas redes sociais uma série de memes que faziam troça do novo design do iPhone, que vazara dias antes. A versão de número 11 do smartphone, que chegou às lojas brasileiras em tempo recorde, foi comparada a uma boca de fogão e a lâminas de um barbeador elétrico. Por quê? Em sua traseira, o celular ostenta, sem sombra de discrição, nada menos que três câmeras fotográficas, situadas em um quadrado no canto superior esquerdo do aparelho. Foi um susto — e fez-se graça porque o visual é mesmo esquisito.
Restou a questão: para que tantas lentes? O avanço na qualidade da imagem, em si, com a medição em megapixel, estagnou nos últimos anos, como se o limite já tivesse sido alcançado. “Daqui para a frente, nesse quesito, só faria alguma diferença caso a maioria dos usuários pretendesse imprimir fotos do tamanho de prédios. Não é o caso”, diz o analista americano da indústria da tecnologia Ryan Reith, vice-presidente da renomada consultoria IDC. Diante da constatação, os fabricantes tiveram de buscar outra forma de apresentar avanços nas fotos e nos vídeos produzidos por celulares. A solução, um tanto lúdica, foi incluir lentes suplementares de modo a adicionar uma série de funções que antes eram restritas a equipamentos profissionais.
No caso da Apple, as três câmeras permitem filmar, simultaneamente, mais de uma cena, ou ainda realizar fotografias panorâmicas em 180 graus. Nesse aspecto, o iPhone segue tendência iniciada por concorrentes, que intuíram um atalho para superar a marca da maçã logo depois do nascimento do primeiro iPhone. Pioneira, a taiwanesa HTC lançou em 2011 um celular, o EVO 3D, com uma dupla de câmeras. Não vingou. A multiplicação só começou a ter sucesso no mercado cinco anos depois, em 2016, com o iPhone 7, que trazia uma lente extra, ao lado da principal, do mesmo tamanho, que possibilitava dobrar o zoom das fotografias. Desde então, todas as maiores fabricantes aderiram à onda, e agora com visível estardalhaço (veja o quadro).
O aumento da presença das lentes obrigou à revisão do design dos dispositivos. Quanto mais câmeras passaram a ser agregadas, mais naturalmente perceptíveis elas se tornaram no desenho dos celulares. Seguiu-se a praxe na indústria: cada inovação incorporada ao gadget leva a remodelagens. Em 1996, quando teclados físicos começaram a ser adicionados aos celulares, por iniciativa da finlandesa Nokia, a charada era oferecer um dispositivo que não fosse muito grande mas que tivesse teclas minimamente ergonômicas. O conceito evoluiu para os palmtops, que se popularizaram com a canadense BlackBerry. Até que, em 2007, o iPhone foi lançado, com tela sensível ao toque e, portanto, dispensando os teclados físicos. Nascia ali uma nova era.
Não se sabe ainda que cara terá, no futuro breve, a família de smartphones com várias câmeras. Não há consenso, e por isso uns são tão diferentes dos outros. A Apple, insista-se, optou por inserir as lentes no canto. A chinesa Xiaomi, do modelo Mi Alpha, decidiu apostar numa régua com todas elas juntas, enfileiradas. No fim, as fabricantes têm em comum a busca por exibir as inovações de forma que chamem a atenção dos consumidores em um mercado cada vez mais repleto de opções. Como costuma dizer Tim Cook nas apresentações da Apple, trata-se de procurar pela “melhor versão já fabricada”. Ou, em outras palavras, buscar a versão que mais facilmente funcione como marketing de si mesmo, exibindo aos quatro ventos as traquitanas que darão o que falar.
Quanto mais, melhor?
A inserção de um número maior de lentes fotográficas em smartphones permite o uso de funções que antes eram restritas a equipamentos profissionais
iPhone 11 Pro
3 câmeras
9 600 reais
Disponível nas lojas e sites brasileiros
Diferenciais: no conjunto há uma câmera tradicional, outra grande-angular (ideal para enquadrar ambientes amplos) e uma teleobjetiva (para retratos). É possível filmar três cenas distintas, com cada uma das câmeras, tirar nove fotos quase simultaneamente e empregar inteligência artificial para combinar os melhores pixels de cada uma delas
Xiaomi Mi Alpha
3 câmeras
2 800 dólares (11 200 reais)
Apenas no mercado internacional
Diferenciais: com tela que toma praticamente toda a estrutura, o celular teve acopladas numa régua na parte traseira a máquina fotográfica e a filmadora. Como aboliu a lente frontal, e já que o visor também toma a parte de trás, permite fazer selfies com as câmeras principais
Samsung Note 10+
4 câmeras
5 400 reais
Disponível nas lojas e sites no Brasil
Diferenciais: a compilação das câmeras é similar à do iPhone, com uma diferença — possui uma lente extra que funciona como sensor de profundidade. A opção adicional permite que o usuário replique técnicas profissionais como o chamado efeito bokeh — quando apenas o fundo da cena é desfocado
Nokia 9
5 câmeras
600 dólares (2 500 reais)
Apenas no mercado internacional
Diferenciais: duas lentes são específicas para o registro das cores, enquanto as outras captam luz. Um software se encarrega de, automaticamente, compilar as imagens, em um modelo de cinco camadas, e cada uma destas pode ser editada para compor diversos tipos de efeito
Publicado em VEJA de 6 de novembro de 2019, edição nº 2659