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“A tecnologia que minimiza a autonomia deve ser repensada”, diz ex-Google

Em entrevista a VEJA, James Williams afirma que a tecnologia desviou a atenção do homem de assuntos mais importantes

Por Sabrina Brito Atualizado em 5 nov 2021, 17h40 - Publicado em 5 nov 2021, 15h43
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  • James Williams, pesquisador de Oxford e ex-estrategista do Google, acaba de lançar novo livro sobre as distrações impostas pela era digital. Em entrevista a VEJA, ele discute a importância da atenção que dedicamos às telas do computador ou do smartphone e como seu desvio pode ser prejudicial à humanidade e até mesmo à democracia.

    Sobre o que é o livro “Liberdade e resistência na economia da atenção”?

    A principal questão que eu abordo no livro é como produtos e serviços tecnológicos atuais funcionam com base na captura da atenção humana. O Facebook, por exemplo, só obteve sucesso porque conseguiu fazer o usuário prestar atenção na tela. É o que chamamos de economia da atenção: hoje, a atenção é tratada como mercadoria.

    Por que os produtores de tecnologia se interessam tanto por conquistar a atenção do usuário?

    Basicamente, é assim que a indústria tecnológica ganha dinheiro. Além disso, trata-se de uma forma de ganhar poder. É como uma empresa de petróleo que encontrou um novo poço inexplorado: a atenção é cada vez mais visada. O Facebook e o Twitter, por exemplo, se tornaram muito bons em explorá-la e monetizá-la. Eles moldam as opiniões e ideias de milhões de pessoas pelo mundo usando apenas alguns milhares de funcionários justamente por meio da atenção que tomaram do usuário.

    Para quem é a obra?

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    Principalmente, em certo sentido, para mim mesmo. Eu estava migrando do Google para a área acadêmica e pensei muito sobre os problemas que eu identificava na área da tecnologia. Para além disso, o livro é para a sociedade toda. Queria que a obra oferecesse uma perspectiva aprofundada sem se tornar inacessível para quem não trabalha com tecnologia. O livro serve para qualquer pessoa que ande por aí com um minicomputador em seu bolso, ou seja, praticamente todo mundo.

    A pessoa comum consegue evitar que a tecnologia a distraia de seu verdadeiro propósito?

    Eu diria que não. Isso requer certo entendimento sobre como aparelhos e plataformas são construídos e quais seus objetivos. A maioria das pessoas no mundo luta para sobreviver diariamente, então a ideia de que um indivíduo comum seria capaz de recuperar a atenção de produtos criados pelos melhores engenheiros do mundo e que desfrutam das melhores ferramentas não é realista. Essa é a parte trágica da situação em que nos encontramos. 

    Existe algum grupo mais apto a retomar essa atenção da tecnologia e aplicá-la em outro lugar?

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    As pessoas que têm tempo, poder ou espaço em suas vidas para pensar criticamente sobre esse tema, o que é um privilégio, são as únicas que podem fazer algo sobre isso — e mesmo assim é difícil. Existe essa ironia: mesmo depois que comecei a pesquisar o assunto e entendi que essas tecnologias têm como objetivo roubar a nossa atenção para si, o problema não se tornou mais simples de evitar. As pessoas que já vi conseguirem chegar perto de enfrentar o problema são aquelas que conseguiram terceirizar o uso da tecnologia em suas vidas para assistentes ou outros, como CEOs de grandes empresas. Assim, eles se mantêm zen enquanto outra pessoa cuida de suas redes sociais, por exemplo.

    Como a falta de atenção trazida pela tecnologia afeta a democracia?

    No contexto político, foquei na ideia de que a atenção é uma peça fundamental da vontade humana, e a expressão da vontade humana é a base da autoridade de qualquer governo democrático. Consequentemente, quando a nossa atenção ou vontade coletiva é desviada, acredito que o resultado é uma frustração dos princípios democráticos. Não sei se a democracia pode ser legítima se não refletir a vontade do povo, e a tecnologia toma a nossa atenção e a direciona a outros caminhos, manipulando-a. Com o controle da matéria-prima da vontade humana, a democracia é enfraquecida.

    Se a tecnologia nos colocou nesse problema, ela também pode nos tirar dele?

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    Não existe uma resposta certa. Eu me considero muito favorável à tecnologia, desde que ela sirva para somar à humanidade com a ajuda de ferramentas que melhorem a nossa vida. Se a tecnologia torna a vida pior, minimizando a nossa autonomia e liberdade, ela deve ser repensada. É possível reestruturar o sistema para alinhar a tecnologia aos nossos objetivos e ideais. Para isso, o homem precisa controlar a tecnologia e colocá-la no seu lugar, criando parâmetros e padrões que a tecnologia deve atingir para ser considerada positiva. Precisamos racionalizar o que esperamos dela, assim como fazemos com livros ou poesia. A tecnologia precisa elevar o espírito humano. Nesse sentido, é preciso não só que ela mude, mas que também mudemos a forma como a encaramos.

    Liberando a humanidade dessa atenção que a tecnologia nos roubou, o que ganhamos?

    Conseguiríamos recuperar a humanidade. Se pensarmos no que compõem o ser humano, falamos em pensamento crítico, em reflexão. Isso depende de atenção, de foco, de processos cognitivos complexos que associamos às maiores conquistas da nossa espécie. Sem isso (ou seja, sem a atenção), não sabemos quem nós somos, perdemos a qualidade da humanidade. Podemos nos tornar mais empáticos, mais afetuosos, mais amáveis. Para isso, precisamos dos designs e incentivos certos. Sem isso, é impossível imaginar quem nos tornaremos. A tecnologia deve ser usada para enriquecer e aprofundar a qualidade da experiência humana, para elevar a vivência humana — é claro, desde que ela esteja disponível a todos (o que hoje é um desafio enorme por si só).

    A solução é deixar de usar computador, celular, etc.?

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    Existe uma rota positiva nesse sentido. Há produtos assistentes que foram criados para facilitar as nossas vidas e que eu acredito que podem ser bons para a sociedade. Um exemplo seria os assistentes de voz, como a Alexa. O que precisamos agora é simplificar algumas tarefas, menos importantes, para focarmos em propósitos maiores. Por isso, a automatização de algumas atividades pode liberar espaço para pensamento reflexivo, por exemplo. Com carros autônomos, teremos mais tempo livre em alguns contextos, o que pode aumentar o número de horas gastas diariamente com outras atividades. A automação dessas tarefas menores é positiva, mas não é suficiente. Ela deve vir com uma articulação do que o homem quer para si, dos propósitos que perseguirá.

    SERVIÇO

    Liberdade e resistência na economia da atenção | James Williams

    Arquipélago Editorial, 192 páginas

    Preço: R$ 49,90

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    Onde comprar: Nas livrarias e no site da Arquipélago.

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