Nos últimos anos, as diferentes aplicações da realidade virtual levaram a pequenas revoluções em diversos setores. Na medicina, a tecnologia tornou mais seguras as cirurgias invasivas. Na indústria automotiva, ajudou a desenhar motores e o interior de carros. Foi também graças à realidade virtual que os videogames passaram a ser atividades mais interativas, o que atraiu novos jogadores e ampliou as fontes de receita para os fabricantes. Agora é a vez do turismo. Agências de viagens e desenvolvedores de aplicativos descobriram as infinitas possibilidades que a VR (sigla em inglês para realidade virtual) oferece a quem deseja conhecer, mesmo que remotamente, os lugares mais extraordinários do mundo. Com óculos especiais que custam entre 15 reais, os modelos mais simples e imperfeitos, e 5 000 reais, é possível “velejar” nas Bahamas, “visitar” sítios arqueológicos no Egito ou até mesmo “escalar” o Monte Everest — sem pôr o pé para fora de casa, que fique bem claro.
A onda da realidade virtual no turismo ganhou força com a quarentena imposta pela pandemia. Isolados no ambiente doméstico, milhares de pessoas encontraram na tecnologia uma chance de saciar o desejo de se desconectar do tenso cotidiano. Uma das agências que mais cresceram no período é a finlandesa Zoan, que oferece no cardápio a possibilidade de explorar museus e localidades históricas, com prioridade para as atrações de seu país. Desde o início do isolamento, a empresa atraiu o número recorde de 100 000 visitantes. No passeio chamado Virtual Finland, um tour guiado mostra a região leste da Finlândia, com direito à simulação de ambientes que vão da poltrona do avião a viagens de trem entre os destinos. O passeio é gratuito.
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Clique e AssinePara a maioria das agências virtuais, é mais vantajoso disponibilizar programas baratos ou sem custo. O dinheiro para tocar o negócio vem na maioria das vezes da publicidade exibida aos turistas enquanto eles passeiam virtualmente, por meio de aplicativos. O Travel World promove desde roteiros curtos e óbvios, como passeios pelo centro de Londres e viagens nos clássicos ônibus de dois andares, até programas inusitados, como um mergulho pela Grande Barreira de Corais, na Austrália. Pelo Google Earth VR, a ferramenta de realidade virtual do buscador, que só no catálogo de museus conta com mais de 18 000 obras gratuitas em exposição, o viajante pode se permitir ir além: é possível usar a realidade virtual para caminhar com um gigante jurássico ou fazer treinamentos de mágica com personagens da saga Harry Potter.
A aposta nas viagens virtuais se dá sobretudo pela consolidação da tecnologia dos óculos VR. Em 2014, quando Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, anunciou a compra por 2 bilhões de dólares da startup de realidade virtual Oculus, os dispositivos eram desajeitados, grandes e pesados e causavam náuseas à maioria dos que tentavam passar mais de dez minutos nas primeiras simulações disponíveis. Inovações como alta definição de som e imagem tornaram os aparelhos mais amigáveis. Não à toa, os óculos VR ganharam popularidade, e agora há módulos à venda em lojas de eletrônicos, livrarias e até bancas de jornal. Na Campus Party, a mais tradicional feira de tecnologia do país, os estandes que oferecem experiências de realidade virtual estão entre os mais concorridos. De fato, a tecnologia avança no Brasil. Inaugurada em agosto em São Paulo, a agência R11 Travel disponibiliza a primeira sala de realidade virtual voltada para o turismo da América Latina. Ali, com a ajuda dos óculos especiais, é possível visitar o interior de navios e fazer um passeio de stand-up paddle no mar.
Ainda que o uso da realidade virtual tenha despontado como uma alternativa ao turismo, ela não tem o objetivo de concorrer com as viagens convencionais. Grandes redes hoteleiras, empresas de cruzeiro e destinos turísticos vêm apostando na tecnologia para complementar a viagem. Clientes de hotéis em Dubai podem contratar os serviços tradicionais de voo de helicóptero ou, se não tiverem coragem, se divertir com os óculos VR. Para alguns estudiosos do comportamento humano, há limites para a adoção da novidade. Segundo um estudo realizado por acadêmicos alemães, as imagens com cores pixelizadas dos óculos podem causar esgotamento mental. Mas outras pesquisas mostram uma experiência bem mais prazerosa. “É cientificamente comprovado que ver a natureza, mesmo digitalmente, oferece conforto”, diz Lee Bacon, chefe da unidade de história natural da BBC britânica, envolvida em uma série de iniciativas de passeios de mentirinha. Tudo somado, é possível dizer que o turismo virtual, em curva de crescimento, faz bem e deve ser celebrado — mas nada, nada mesmo, substitui a experiência real de conhecer um lugar diferente.
Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691