Adeus aos camponeses: robô pode pôr fim à presença humana nas lavouras
O desenvolvimento de uma máquina capaz de colher até os vegetais mais delicados pode mudar o cenário agronômico mundial
“A descoberta da agricultura foi o primeiro grande passo em direção a uma vida civilizada”, disse, certa vez, o antropólogo escocês Arthur Keith (1866-1955), um dos nomes de proa no estudo da evolução humana. Os importantes avanços na agronomia foram inevitavelmente acompanhados por mudanças substanciais em nosso cotidiano — seja na alimentação, no mercado ou nas formas de trabalho. No domingo 7, cientistas da Universidade de Cambridge (Inglaterra) divulgaram os resultados de um trabalho que potencialmente transformará o cenário agronômico mundial, podendo significar o último passo para a eliminação da presença humana nas lavouras. Trata-se do desenvolvimento de um robô especializado na colheita de alface. A máquina, chamada de Vegebot, representa a superação da única etapa da plantação daquele vegetal que ainda contava com mãos humanas. Embora alguns alimentos, como a batata, já sejam colhidos roboticamente há décadas, a alface era, até agora, considerada muito frágil para ser coletada de tal modo — suas folhas são fáceis de amassar e estragar-se.
Testado em campo, o robô inglês colheu os vegetais de forma impecável. A alface escolhida para os testes era do tipo iceberg, cujo cultivo é especialmente complexo. O vegetal possui folhas ainda mais delicadas que as dos demais tipos e cresce deitado sobre o solo, o que complica a extração. A eficiência da máquina nesse trabalho indica que a mesma tecnologia poderia ser replicada em outras lavouras nas quais a presença humana ainda é essencial para a tarefa — entre elas, as vinícolas.
O Vegebot funciona com base em uma tecnologia chamada de machine learning (aprendizado de máquina), pela qual se “ensina” a inteligência artificial (IA) a tomar decisões. No caso, o software foi abastecido com imagens que identificavam as diferenças entre as alfaces apropriadas para o consumo e as impróprias. Equipado com uma câmera que detecta os vegetais no seu campo de visão, o robô é capaz de comparar a realidade que rastreia às fotos que possui no banco de dados. Com isso, escolhe qual alface deve ser extraída e qual deve ser descartada. O corte então é guiado por uma segunda câmera, acoplada próximo a uma lâmina de cisão com braços cuja força pode ser ajustada, obtendo-se uma delicadeza semelhante à que se exige das mãos dos camponeses.
Apesar do êxito dos testes, o Vegebot ainda é lerdo demais para ser comercializado — enquanto um homem leva sete segundos para colher uma alface, a máquina demora 31. “A aceleração dos mecanismos está sendo trabalhada. Logo chegaremos aos dez segundos”, avaliou, em entrevista a VEJA, o inglês Simon Birrell, cientista do departamento de engenharia de Cambridge e coautor do protótipo. Uma das preocupações oriundas da inovação é que o Vegebot possa tirar a vaga de camponeses — o que acarretaria uma íngreme escalada do desemprego, visto que 28% da população mundial trabalha na agricultura. “Mas a verdade é que poucos querem se dedicar a essa tarefa. Estamos falando de um emprego duríssimo, cujo recrutamento tem sido cada vez mais difícil”, afirma Birrell.
Os progressos na agronomia têm se provado mais benéficos do que maléficos há pelo menos seis milênios — quando o Egito e a Mesopotâmia começaram a instalar sistemas de irrigação. Na Idade Média, passou-se a usar a rotação de culturas, para preservar o solo. E, entre 1960 e 2015, a produção agrícola mundial triplicou graças à chamada revolução verde, resultante do início da criação de sementes geneticamente modificadas, do uso de fertilizantes aprimorados e da mecanização de etapas da cadeia. A novidade dos cientistas de Cambridge representa a adição de uma tecnologia contemporânea ao dia a dia do campo: a IA — que pode, por exemplo, diminuir as perdas na agricultura. A ONU estima que cerca de 89% do desperdício de comida na América Latina seja por efeito de erros da produção, usualmente por falhas humanas na colheita. De fato, o melhor aproveitamento das safras será essencial para alimentar a crescente população do planeta, que deve ultrapassar os 9 bilhões de indivíduos — 2 bilhões a mais que hoje — até 2050.
Publicado em VEJA de 17 de julho de 2019, edição nº 2643
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