Desde a sua popularização na década de 80, os videogames sempre foram vistos como uma das mais agradáveis formas de lazer. Do velho Atari aos mais modernos jogos disponíveis para celular e computador, o hábito de se divertir horas a fio diante de uma tela nunca saiu de moda. No ano passado, o setor movimentou 165,9 bilhões de dólares no mundo, 60% mais do que as indústrias de cinema e música somadas. Mais recentemente, o advento dos e-sports, os esportes virtuais, consolidou a figura do gamer profissional. Pagam-se fortunas em premiações de campeonatos aos craques dos consoles. Na esteira da evolução dos criptoativos, começa a surgir agora uma nova tendência: os modelos play to earn (jogue para ganhar, na tradução literal), no qual o jogador passa a ser um investidor.
O que possibilitou a revolução foi o desenvolvimento da tecnologia blockchain, em que estão hospedados os NFTs e gamecoins (leia o glossário abaixo). O conceito ganhou impulso graças ao sucesso do Axie Infinity, cujo token AXS registrou alta espetacular de cerca de 79 000% desde o início do ano. O game inspirado no clássico Pokémon foi criado pela startup vietnamita Sky Mavis em 2018, mas decolou mesmo durante a pandemia. Ele tem 1 milhão de usuários ativos, sendo a maioria das Filipinas, onde muitos habitantes de zonas rurais passaram a utilizá-lo como complemento de renda. Brasil, EUA e Venezuela também estão entre os líderes neste mercado que não para de crescer. Nesta semana, a Sky Mavis anunciou uma nova rodada de investimentos de 152 milhões de dólares e foi avaliada em 30 bilhões de dólares.
Para entrar no jogo, é preciso comprar ao menos três Axies, como são chamados os monstrinhos do game. No início do ano, era possível encontrá-los por menos de 100 reais. Com a valorização do AXL, é preciso ter pelo menos 6 000 reais para dar o start. Os valores sempre vão variar, seguindo a lei da oferta e da procura. Na hora de escolher seus bichinhos, que na verdade são NFTs (portanto itens únicos), o jogador deve estar atento às suas especificidades, pois elas serão decisivas em combates.
O caminho tende a ser complexo para quem deseja se aventurar na modalidade. É preciso criar uma conta em plataformas de carteiras virtuais (a MetaMask, no caso do AXL), fazer o download do jogo, habilitar as contas e comprar as NFTs no marketplace. É possível ganhar dinheiro criando Axies e os revendendo, ou então lucrar cumprindo missões. Além disso, os tokens podem ser trocados por outras criptomoedas ou mesmo por dólares e reais, por meio de corretoras como a Binance, uma das maiores do mundo.
Os valores são um tanto proibitivos, mas há uma alternativa: jogar gratuitamente alugando um trio de Axies por meio de “escolinhas”. Ou seja, quem possui diversos personagens pode emprestá-los para jogadores, que terão de devolver cerca de 40% dos ganhos aos donos. Reside aí a suspeita de se tratar de uma pirâmide financeira, também conhecida como esquema Ponzi. “Não vejo essa conotação negativa. Se o jogo tem sucesso, as criptomoedas se valorizam e quem estava lá desde o início leva vantagem, é natural”, diz Edson Sueyoshi, vice-presidente da empresa digital R/GA.
Até games que nem sequer foram lançados já fazem barulho no mercado. É o caso do Star Atlas, um jogo de temática espacial da rede de blockchain Solana, cuja moeda Atlas se valorizou 9 000% em duas semanas — sim, em apenas quinze dias — graças à expectativa de que fará sucesso. O tal Star Atlas promete entregar qualidade gráfica, destoando de games com viés infantil, como o Axie. Engana-se, porém, quem pensa que as crianças estejam fora do jogo. Muitos pais compram gamecoins para os filhos jogarem e, juntos, administram as contas, numa maneira inusitada de promover educação financeira. “Da mesma forma que a Netflix revolucionou a indústria audiovisual ao dar maior autonomia aos usuários, as gamecoins fazem o mesmo com os jogadores”, diz Bruna Botelho, fundadora da fintech StadiumGO!, especializada em criptoativos. Como se vê, a brincadeira é séria.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759