Com movimentos ‘inteligentes’, novos brinquedos eróticos desafiam antigos tabus
Os apetrechos ganharam conectividade e outros recursos digitais

O tabu em relação ao sexo é tão antigo quanto o próprio sexo. O prazer foi sempre um sussurro abafado pela moral. Segredos de alcova, os objetos eróticos atravessaram a história em permanente julgamento. De ferramentas de autoconhecimento a instrumentos de pecado, esses artefatos sempre existiram — mesmo quando negados. Tomem-se como exemplo do pudor necessário, porque assim quis a sociedade, as peças e os afrescos eróticos descobertos em Pompeia, a cidade romana engolida pela lava do Vesúvio no ano 79. A traquitana permaneceu trancada ao público por quase 200 anos. Em 1819, quando o rei Francisco I de Nápoles visitou uma exposição no Museu Arqueológico de Nápoles com a mulher e a filha, ficou constrangido com as obras de arte eróticas e ordenou que fossem trancadas em um “armário secreto”, o Gabinetto Segreto, acessível apenas a “pessoas de idade madura e moral respeitada”. Fechado sucessivas vezes, o recanto pecaminoso foi brevemente tornado acessível no final da década de 1960, tempo da revolução sexual, e finalmente reaberto para visitação em 2000.
Os brinquedos adultos talvez não tenham sido definitivamente absolvidos do pudor, mas vivem inédita celebração, associados a tecnologia de ponta e desenhos elegantes. A dupla condição os tirou da sombra. Estão nas vitrines de e-commerce e figuram até nas prateleiras de celebridades. O cantor Harry Styles acaba de lançar uma linha de produtos íntimos dentro da marca Pleasing, conhecida por cosméticos com estética clean e linguagem de gênero fluida. Entre os itens, estão lubrificantes e vibradores.
Em passado recente, os produtos imitavam genitais. Agora, têm design minimalista. São discretos e podem ser conectados a aplicativos de celular, comandos de voz e relógios inteligentes. Um dos modelos mais populares, o sugador de clitóris não penetra nem vibra — simula pequenos pulsos de sucção, com precisão e intensidade ajustáveis. Tornou-se um sucesso mundial, a ponto de provocar um deslocamento simbólico entre as mulheres que os usam: a penetração, para elas, deixou de ser o centro das experiências femininas de prazer. “Somos uma zona erógena inteira, cada corpo é uma potência única”, diz Natali Gutierrez, CEO da Dona Coelha, sextech que nasceu em 2011 como um blog sobre sexualidade e se transformou em uma das maiores lojas on-line de produtos eróticos do Brasil.
O mercado global do negócio deve atingir 123 bilhões de dólares até 2031, em crescimento médio anual de 16,5%, de acordo com relatório da consultoria KBV Research. O avanço é liderado por marcas que apostam na venda direta ao consumidor, com comunicação voltada ao bem-estar. “É a união entre tecnologia, sexualidade e conforto”, diz Stephanie Seitz, CEO da Intt, empresa que distribui e desenvolve cosméticos íntimos e acessórios. “Um vibrador inteligente é também um recurso de saúde emocional e qualidade de vida.”

A movimentação inclui também os homens, muitas vezes deixados de lado — injustamente — quando o assunto é inovação sexual. A variedade de apetrechos surpreende, ao incluir masturbadores com texturas internas customizadas e que simulam diferentes ritmos. Tudo muito bem-vindo, e celebre-se a diversidade do público atingido, mas há algum freio ao entusiasmo, em decorrência do uso, digamos assim, exagerado. Especialistas alertam que brinquedos não devem substituir as relações humanas. “Se o sexo vira apenas estímulo externo, perde-se o essencial, o olhar, o toque, a emoção”, afirma Carolina Ambrogini, sexóloga do departamento de ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ou seja: os dispositivos devem ser vistos como ferramentas que enriquecem a experiência sexual, não como um fim em si mesmos. O prazer genuíno nasce da combinação entre corpo, mente e vínculo — e não da performance solitária guiada por algoritmos.
Ao fim, o que os novíssimos sex toys propõem não é uma ruptura, mas uma expansão das possibilidades. Eles podem vibrar, sugar, aquecer e se adaptar ao corpo como nunca antes, mas ainda não substituem a complexidade das trocas humanas. Há, porém, uma constatação positiva: é sempre bom quando o tabu vira pop, porque a civilização avançou para a liberdade.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956