Decisão da Meta levanta preocupações sobre futuro da informação on-line
Especialistas analisam anúncio de Mark Zuckerberg de promover mudanças na política de conteúdo das plataformas da empresa

A decisão da Meta de extinguir o programa de verificação de fatos por terceiros nos EUA, substituindo-o pelo modelo “Community Notes”, tornou-se tema de debates acalorados na imprensa e nas redes sociais. A mudança, claramente impulsionada pela guinada conservadora nos Estados Unidos, após a eleição de Donald Trump, levanta preocupações sobre o futuro do combate à desinformação e o impacto na qualidade do debate público.
O professor Benjamin Rosenthal, especialista em redes sociais e cultura de consumo da Fundação Getúlio Vargas, destaca a pulverização do debate político em plataformas fechadas como WhatsApp, Discord e Telegram, impulsionada por decisões anteriores da Meta de despriorizar conteúdo político.
Para Rosenthal, a guinada da Meta em direção à maior liberdade de expressão é um reflexo do “trumpismo” e da onda conservadora que se fortaleceu nos EUA. Ele alerta que essa decisão pode levar a um aumento na disseminação de desinformação e “má informação”.
No entanto, Rosenthal também reconhece que a supressão de opiniões divergentes no passado pode ter contribuído para o fortalecimento da direita e da extrema direita, e que a nova política pode “reacender o debate político em plataformas abertas”, beneficiando todos os lados do espectro político. “Tanto faz se você é o Bolsonaro ou Guilherme Boulos, quando esse assunto está em voga, os dois ganham”, exemplifica o professor.
Rosenthal também critica a postura de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, afirmando que seu discurso em apoio à nova política foi “quase servil” a Trump, demonstrando uma falta de percepção de seu legado e dos riscos à democracia. “Ele pode entrar para a história como o cara que inventou o Facebook ou como o cara que apoiou uma guinada antidemocrática nos Estados Unidos”, adverte o especialista.
Proliferação de ‘fake news’
Hugo Tadeu, especialista em inovação e tecnologias digitais da Fundação Dom Cabral, corrobora as preocupações de Rosenthal. Ele argumenta que a ausência de verificação de fatos por profissionais pode levar a uma “proliferação de fake news e conteúdo de qualidade duvidosa”, especialmente com a ascensão de tecnologias como o ChatGPT, que facilitam a produção de conteúdo falso.
Tadeu questiona a validade de um modelo que coloca a responsabilidade da verificação nas mãos dos usuários, sem mecanismos robustos para garantir a qualidade da informação. “Você precisa ter uma verificação entre pares, independentemente do uso de tecnologia ou não, para poder testar a veracidade e a qualidade daquele conteúdo”, afirma.
O especialista traça um paralelo com o fracasso do modelo de “estado mínimo” na economia americana, que culminou na crise financeira de 2008. Ele teme que a falta de regulamentação no ambiente digital, combinada com o poder das grandes empresas de tecnologia, represente um risco para a democracia e para a economia. “Estamos criando um ambiente no qual as empresas cada vez mais fazem investimentos no uso dessas tecnologias”, explica ele. “O dado acaba sendo dessas empresas. E o que a gente tem: uma capacidade gigantesca dessas organizações de influenciar comportamento tanto da economia quanto de decisões políticas.”
A decisão da Meta, portanto, levanta sérias preocupações sobre o futuro da informação online. A busca por maior liberdade de expressão, embora legítima, não pode se sobrepor à necessidade de combater a desinformação e garantir a qualidade do debate público. A ausência de mecanismos eficazes de verificação de fatos, combinada com o poder crescente das grandes empresas de tecnologia, pode ter consequências negativas para a democracia e para a sociedade como um todo.