Em 2004, ano em que criou o Facebook, Mark Zuckerberg tinha uma opinião clara sobre os estudantes da Universidade Harvard que estavam confiando a ele seus dados pessoais em troca de ter acesso ao novo site. Em e-mail enviado a um colega, Zuckerberg os definiu com uma única palavra: “Idiotas”. Quase quinze anos depois da fundação da mãe de todas as redes sociais, que já conta com mais de 2 bilhões de usuários, o mais recente escândalo da empresa demonstra, sim, que durante muito tempo seus executivos viam os usuários como parvos idiotizados.
É uma conclusão possível desde que os jornais The New York Times e The Guardian revelaram os bastidores de uma operação que resultou na captura irregular de dados pessoais de 50 milhões de usuários do Facebook. Com essa massa enorme de informações, uma consultoria política, a agora famosa Cambridge Analytica, tentou interferir em duas votações cujos resultados espantaram boa parte do mundo: a eleição de Donald Trump e a vitória do Brexit, que retirou o Reino Unido da União Europeia. Os idiotas não gostaram de saber que seus dados serviram à manipulação.
Ainda nas primeiras horas da segunda-feira 19, o dia seguinte ao da divulgação do escândalo, o mercado de ações já castigava a empresa com uma perda de 37 bilhões de dólares em valor de mercado. Até a semana passada, a queda registrada bateu em 100 bilhões de dólares. De início, Zuckerberg permaneceu silencioso diante do caso. Deu-se, então, um movimento espontâneo de usuários apagando seus perfis, numa onda nomeada de #DeleteFacebook. Personalidades se juntaram ao coro. Entre elas, o americano Brian Acton, cofundador do WhatsApp — comprado por 19 bilhões de dólares pelo Facebook em 2014 —, e o empreendedor sul-africano Elon Musk, que extinguiu as contas de suas empresas, a SpaceX e a Tesla, na rede. Ainda não se sabe o real efeito do #DeleteFacebook. Mas não seria exagero dizer que os danos já são sensíveis.
Quatro dias depois de o planeta ter tomado conhecimento da parceria do Facebook com a Cambridge Analytica, Zuckerberg concedeu entrevista ao canal americano CNN, desculpando-se e prometendo ações que visassem a blindar os dados pessoais de sua clientela. Em carta anunciada em jornais, ele afirmou: “Temos a responsabilidade de proteger suas informações. Se não conseguirmos, não seremos merecedores dela”. A falta de atitudes concretas, porém, fez com que o valor das ações do Facebook continuasse a cair, e sua imagem, a se diluir.
Segundo levantamento divulgado na segunda-feira pela agência Reuters, 59% dos americanos não acreditam que o Facebook tenha o intuito de resguardar a privacidade das pessoas. Em comparação, acima de 60% dos pesquisados confiam na Amazon e no Google, por exemplo. Um estudo similar realizado na Alemanha, no mesmo dia, chegou a conclusão semelhante: 60% dos alemães temem que o Facebook impacte negativamente a democracia, na medida em que os dados dos usuários são usados para manipular resultados eleitorais. O grande dilema da saga de recuperação do gigante do Vale do Silício é o seguinte: como convencer os bilhões de usuários de que se freará a escrutinação da vida de todos? Afinal, a comercialização dos dados dos usuários — em troca de lhes propiciar acesso gratuito à plataforma — é a base do negócio do Facebook, que garantiu uma receita de 40 bilhões de dólares no ano passado.
Zuckerberg, é preciso admitir, já deu alguns passos corajosos e necessários. Inicialmente, ao assumir o erro — em postura antes rara para ele. Depois, ao aceitar depor perante o Congresso americano ainda em abril. Também sinalizou que deverá enviar executivos para prestar esclarecimentos ao Ministério da Justiça da Alemanha e à Comissão de Informação do Reino Unido. Ao dizer, de chofre, que ele próprio não iria até Londres, as ações da companhia caíram 2,6%. Finalmente, na quarta-feira 28, o Facebook fez o movimento mais nítido: apresentou, com estardalhaço, uma medida prática, com a criação da página “Atalhos de privacidade”, pela qual o usuário pode controlar as informações que são compartilhadas. Nessa página, é possível inclusive deletar dados pessoais e impedir que eles sejam usados para objetivos comerciais ou eleitorais. O recurso deu algum respiro a Zuckerberg: a empresa teve um singelo aumento de 2% na bolsa. Resta saber se essas atitudes recentes refletem uma real mudança de postura ou são apenas uma reação publicitária destinada a conter a onda de “descurtidas”.