Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
Relâmpago: Revista em casa por 8,98/semana

IA ressuscita celebridades, vítimas de assassinatos e pessoas comuns: qual é o limite?

Será preciso, logo mais, antes que o espanto de curiosidade se torne banal e as falsificações não sejam distinguidas do real, algum freio de arrumação

Por Valéria França Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 ago 2025, 08h00

A inteligência artificial (IA) — e entreguemos logo o spoiler antes de contar a história — cometeu o crime perfeito. Fez ressuscitar a britânica Agatha Christie (1890-1976), a rai­nha do suspense na literatura, em uma série de cursos de escrita na BBC. As aulas são dadas pela própria escritora, com seu timbre de voz de sotaque inigualável, a prosódia ritmada e as palavras escolhidas à perfeição. O segredo: o avatar, chamemos assim, foi construído com base em fotografias, registros em vídeo e áudio, além de artigos e livros. É espantoso, embora incômodo, como em outros episódios de gente morta que voltou à vida, ainda que soe esquisita definição tão categórica. O roqueiro Rod Stewart, vivinho da silva, aos 80 anos, pôs para girar em um de seus recentes shows, nos Estados Unidos, o metaleiro Ozzy Osbourne, falecido em julho, ao lado de outros fantasmas, como Freddie Mercury (1946-1991), Michael Jackson (1958-2009) e Tina Turner (1939-2023).

Deu o que falar. Apesar de muitos encararem o vídeo como uma forma leve e alegre de homenagem póstuma, houve quem classificasse o material de desrespeitoso, caricatura artificial incapaz de traduzir a densidade emocional da perda do artista. O tributo marcou o início de um novo dilema contemporâneo. “É preciso agora haver alguma regulação ética, porque a questão legal de exploração de imagem e preservação dos direitos autorais já é controlada por herdeiros”, diz Marcos Wachowicz, professor de direito digital da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

ATIVISTA - Joaquin (à dir.), morto em 2018: entrevista ruidosa para Acosta
ATIVISTA - Joaquin (à dir.), morto em 2018: entrevista ruidosa para Acosta (./Reprodução)

Era mesmo inevitável: se a IA chegou a tudo quanto é canto, e mexe com quase todas as atividades humanas, por que não trataria de auxiliar na finitude, tentando desfazê-la, por assim dizer? É movimento acelerado, embebido de emoção — há empresas, como a sul-coreana DeepBrain, que promove o encontro póstumo com familiares que já se foram, em prodígio tecnológico tecido de consolo, mas também de inquietação. A semelhança, louvável do ponto de vista dos resultados, é também assustadora. “A IA aprende padrões de forma de falar, tom de voz e mesmo de posturas comportamentais”, diz Razer Montaño, doutor em ciência da computação da UFPR.

E, do evidente sucesso, brotam problemas que tangenciam a praga das fake news. Nos Estados Unidos, o adolescente Joaquin Oliver, de 17 anos, morto em um massacre dentro da escola, na Flórida, em 2018, virou um ectoplasma ativista. Os pais transformaram a dor em luta contra a violência armada a partir do momento que o filho ressuscitado pela IA virou protagonista de campanhas de conscientização. Recentemente, Oliver foi entrevistado pelo celebrado jornalista Jim Acosta em um videocast para reacender a questão da relevância do desarmamento — mas, e se a moda pega, qual será o limite de pôr na boca de mortos o que supostamente poderiam ou deveriam dizer? Esse recurso, em campanhas políticas, tende a ser desastroso.

Continua após a publicidade
MISTÉRIO - Agatha Christie: autora britânica foi revivida para uma série da BBC
MISTÉRIO - Agatha Christie: autora britânica foi revivida para uma série da BBC (BBC Maestro/Divulgação)

Será preciso, logo mais, antes que o espanto de curiosidade se torne banal e as falsificações não sejam distinguidas do real, algum freio de arrumação. Enquanto isso, vale quase tudo, inclusive o controverso casamento da IA com crenças religiosas. Na internet roda a imagem reconstruída de Jesus Cristo, a partir do Santo Sudário, a mortalha que teria envolvido o corpo dele depois de crucificado. O pano, guardado na Catedral de Turim, na Itália, tem as marcas do rosto de um homem, que os cristãos acreditam ser o de Jesus. O vídeo apresenta uma figura com o rosto rústico e um corpo forte. Jesus abre os olhos, se mexe e sorri para os fiéis. Tal como Jesus ressuscitou Lázaro, segundo o Evangelho de João, a IA vem trazendo muitas pessoas de volta à vida — digital, é verdade, mas as fronteiras já parecem inexistir, e os acelerados avanços da tecnologia tornam tudo ainda mais tênue. É um dilema digno dos roteiros mais intrincados de Agatha Christie.

Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

15 marcas que você confia. Uma assinatura que vale por todas.

OFERTA RELÂMPAGO

Digital Completo

A notícia em tempo real na palma da sua mão!
Chega de esperar! Informação quente, direto da fonte, onde você estiver.
De: R$ 16,90/mês Apenas R$ 1,99/mês
ECONOMIZE ATÉ 28% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 10,00)
De: R$ 55,90/mês
A partir de R$ 39,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a R$1,99/mês.