Jogo da diversidade: a revolução feminina no mundo dos games
Em um mercado masculino, lançamentos relevantes põem, enfim, as mulheres em papéis de destaque
Por muito tempo, as personagens femininas tiveram papel secundário no mundo dos games. Eram coadjuvantes na história e, quando eventualmente apareciam em destaque, despontavam extremamente sexualizadas. Basta lembrar das lutadoras de Mortal Kombat e Street Fighter ou dos primeiros títulos da franquia Tomb Raider, protagonizada por Lara Croft. O jogo parece estar mudando. A constatação do louvável e tardio passo é o lançamento de The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom, da Nintendo. Pela primeira vez em quase quarenta anos, a princesa Zelda do título deixou o papel de donzela em perigo e assumiu o desafio de salvar o próprio reino. Mais do que um spin-off, como são chamados os títulos menores derivados da série principal, a nova diversão eletrônica é uma aventura completa como qualquer outra estrelada pelo espadachim Link. Trata-se, enfim, de uma pequena revolução.
Zelda puxa o fio da meada de um movimento interessante demais para ser desdenhado, de mãos dadas com os humores da sociedade. Recentemente, a própria Nintendo pôs outra princesa famosa, Peach, em um jogo solo. O bigodudo encanador Mario, que costuma salvá-la do monstruoso Bowser, nem aparece na trama. Outras produtoras seguem caminho semelhante. A Ubisoft, responsável pela franquia Assassin’s Creed, uma das mais vendidas do mercado, permite ao jogador a opção de escolher se quer estar na pele de um homem ou de uma mulher. Antes, os personagens eram sempre masculinos. A série Horizon, da Guerrilla Games, que instala a caçadora Aloy em um mundo pós-apocalíptico, é outro exemplo de produção recente que investe em uma protagonista carismática, e zero de sexualização. Deu certo. É elogiada pela crítica e admirada pelos adeptos. GTA 6, jogo mais aguardado dos últimos anos, terá uma protagonista feminina.
A transformação nas telas é reflexo das mudanças fora delas. A Pesquisa Game Brasil 2024, mapeamento do mercado brasileiro, aponta que as mulheres são maioria (50,9%) dos jogadores. Há uma demanda antiga por maior representatividade. O caso de Zelda, reafirme-se, é um bom exemplo. Pela primeira vez, a equipe de desenvolvimento contou com uma diretora, Tomomi Sano, que ajudou a encontrar o tom certo para a figura. Ainda há muito a avançar. Mas as transformações são inegáveis e necessárias em um mercado que movimenta quase 1 trilhão de dólares anuais. É hora do game over para o machismo.
Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914