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Montadoras chinesas avançam no mercado de elétricos e incomodam

Com uma estratégia agressiva de lançamentos, elas provocam reações de empresas ocidentais

Por André Sollitto, da Cidade do México
Atualizado em 3 jun 2024, 16h42 - Publicado em 25 Maio 2024, 08h00
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  • Não era uma estrela do cinema, tampouco um ídolo do rock. O ambiente de expectativa que banhava o imenso centro de convenções Expo Santa Fe, na Cidade do México, tinha a leveza do chumbo. Antecipava o desfile de algo muito especial, como nas míticas apresentações da Apple de Steve Jobs. As luzes se apagaram, dramaticamente. Nos telões brotaram animações tingidas de vermelho, a dançar ao ritmo de música eletrônica. E, então, três portas se abriram ao mesmo tempo no palco — e de cada uma delas surgiu uma picape. Era um trio de modelos da Shark, o veículo híbrido, movido a eletricidade e combustão, da montadora chinesa BYD, acrônimo de Build Your Dreams. As caminhonetes de visual futurista foram recebidas com flashes e aplausos. Pela primeira vez, a maior fabricante de veículos elétricos do planeta lançava um de seus modelos fora da China.

    A escolha da Cidade do México para a ribalta do Shark encaminhava uma clara mensagem: a vontade de consolidar os carros da China na América Latina, e justamente na fronteira dos Estados Unidos, como um tubarão à espreita. É também marco de uma transformação. Há pouco mais de uma década, os veículos chineses a combustão eram considerados pouco confiáveis, duros e sujões. Agora, movidos a energia limpa, narram uma outra história. Atraem consumidores e despertam insegurança e medo, pavor até, entre os CEOs das montadoras ocidentais. Vive-se um inescapável choque elétrico.

    Um indicador claro do avanço chinês no mercado é a fatia crescente que as fábricas de lá têm conquistado na porcentagem de veículos eletrificados vendidos no mundo. Em 2019, quando apenas 3% dos novos emplacamentos eram dessa família, a China já aparecia na liderança, com 55% do total. Hoje, a fatia é de 60% e tende a crescer (veja o quadro). Em território chinês, os automóveis totalmente elétricos e outros híbridos plug-­in (como são chamados os veículos que têm uma bateria recarregável diretamente na tomada) representam quase 40% do lote. É o início de uma era, pronta para se expandir, quando — e se — forem abertas as portas da Europa e dos Estados Unidos.

    O clima é de guerra econômica. Há duas semanas, Joe Biden empurrou as taxas de importação de elétricos chineses para os EUA a 100%, ainda que estejam longe de despontar em portos americanos. A justificativa da Casa Branca: proteger os empregos americanos contra a concorrência injusta de empresas alimentadas pelos subsídios de Pequim. A resposta é contundente. “Esse é um equívoco comum, mas o governo chinês não dá subsídios às empresas como se pensa”, diz Stella Li, CEO da BYD Américas e vice-presidente global da empresa. “Se você for à China, verá que há uma batalha sangrenta entre as empresas do setor automotivo. As montadoras ocidentais reclamam porque não conseguem acompanhar o ritmo do avanço tecnológico.”

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    EXPANSÃO - Elétricos chineses prestes a embarcar: rumo a novos mercados
    EXPANSÃO - Elétricos chineses prestes a embarcar: rumo a novos mercados (Costfoto/NurPhoto/Getty Images)

    O apoio do governo, com dinheiro do contribuinte, é peça crucial da refrega. Governos da Europa estão se debruçando sobre o tema para entender quanto a participação efetiva do erário chinês pode impulsionar a competitividade dos carros orientais. Recentemente, o chanceler alemão, Olaf Scholz, em visita oficial à China, afirmou haver espaço para todos, desde que haja transparência. Afirma não temer os carros chineses, mas não foi convincente. “Existem carros japoneses agora na Alemanha e carros alemães no Japão”, disse, em referência ao medo das companhias ocidentais quando a frota de japoneses e sul-coreanos chegou à Europa e aos Estados Unidos, nos anos 1980. “O mesmo se aplica à China”, resumiu Scholz.

    O efeito dos carros made in China pode vir a ser exponencialmente mais revolucionário do que o dos vizinhos orientais. É repercussão que dá as mãos aos humores do mundo. Ter ou não ter um carro elétrico virou, ao menos nos Estados Unidos, régua ideológica, como se tudo na vida precisasse estar de um lado ou de outro, sem meio-termo. Donald Trump, o antagonista de Biden, também bate firme nos elétricos chineses, e com argumentos semelhantes aos do adversário político. E os trumpistas, é claro, adoram celebrar o vigor masculino dos carrões a gasolina, e às favas o zelo com o meio ambiente. Uma recente pesquisa da consultoria Boston Consulting Group mostra que 30% dos americanos nunca considerariam comprar um veículo elétrico. No polarizado cenário americano, dirigir um deles se tornou coisa de “esquerdista” para um naco da sociedade. Nessa rinha, Biden está em uma sinuca de bico. Deveria defender a eletrificação, em postura coerente de uma administração cuidadosa com as mudanças climáticas. Contudo, a China está logo ali, à espreita, plugada na tomada, e não houve outra saída, a não ser sair atirando.

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    FALASTRÃO - Elon Musk, da Tesla: críticas aos orientais depois que sua empresa foi ultrapassada em vendas pela BYD
    FALASTRÃO – Elon Musk, da Tesla: críticas aos orientais depois que sua empresa foi ultrapassada em vendas pela BYD (Christian Marquardt/Getty Images)

    Outro modo de medir o embate é saber de que lado está Elon Musk, ímã de quase todas as confusões globais. Não há dúvida: o dono da Tesla esbraveja como Trump porque sua empresa automotiva foi ultrapassada pela BYD em venda de eletrificados no último trimestre do ano passado. Com um toque de ironia: na Alemanha, os elétricos da Tesla usam baterias da empresa chinesa.

    A gritaria logo passará, e condenar a invasão de produtos chineses — como ocorre em várias partes do planeta, a exemplo de recentes protestos na Índia — pode vir a se tornar inócuo. O caminho natural é ocupar o vácuo, e acelerar a fabricação de carros elétricos, porque o futuro assim será — sobretudo depois de resolvido o nó dos postos para recarregar, ainda escassos, e os preços de usados a bateria ganharem algum relevo. Incomoda, ainda, a falta de peças de reposição e mão de obra especializada. Na transição, a aposta são os híbridos como o Shark da BYD. É movimento da Stellantis, dona de marcas como Jeep, Ram e Fiat, que tem apostado em híbridos plug-in. As japonesas Toyota e Honda e a sul-coreana Hyundai dominam o mercado americano de híbridos.

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    PROTESTO - Manifestação de rua na Índia contra produtos chineses: medo
    PROTESTO - Manifestação de rua na Índia contra produtos chineses: medo (Sanchit Khanna/Getty Images)

    Os tempos mudaram. Há uma revolução em andamento. Ela é tracionada pela China, inimiga preferida de meio mundo. Até que ocorra alguma acomodação no tabuleiro, a BYD e suas irmãs chinesas, como a GWM, romperão as ruas com estardalhaço. O Brasil, o oitavo mercado automotivo global, tem parte nessa travessia. Não por acaso, nos próximos meses, a BYD inaugurará uma montadora em Camaçari, na Bahia, e a GWM, no interior de São Paulo. Pode anotar, sem erro: você ainda terá um carro elétrico, muito possivelmente um chinês.

    Publicado em VEJA de 24 de maio de 2024, edição nº 2894

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