O bug do milênio: como o metaverso virou uma tremenda incógnita
Expectativas exageradas e trapalhadas tecnológicas geram desconfiança sobre o ambiente virtual apresentado como revolucionário
No fim do ano passado, Mark Zuckerberg surpreendeu o mundo ao anunciar a mudança do nome de sua empresa de Facebook para Meta. A escolha faz referência ao grande sonho do bilionário americano: o metaverso, um ambiente virtual no qual pessoas de carne e osso serão capazes de viajar por cenários de fantasia, socializar-se e negociar bens na forma de avatares, de preferência usando os caríssimos óculos de realidade virtual produzidos pelo gigante de tecnologia. A necessidade de realizar reuniões virtuais durante a pandemia e a evolução dos games e criptomoedas impulsionaram a Meta e outras big techs como Apple, Google e Microsoft a investir rios de dinheiro nessa web 3.0. O ambicioso plano, porém, tem virado motivo de chachota.
Há alguns dias, Zuckerberg postou uma imagem de seu avatar para anunciar que o Horizon Worlds, o metaverso da empresa, já está disponível na França e Espanha. Nas redes, espalharam-se piadas sobre sua limitação estética. Um crítico mordaz escreveu o seguinte: “Venha trabalhar na Meta, onde os tecnólogos mais brilhantes alcançaram gráficos semelhantes aos de 1995”. Zuckerberg acusou o golpe e, dias depois, compartilhou uma nova cena, apenas um pouco melhor, com uma desculpa esfarrapada. “Sei que a imagem que postei foi bem básica — foi tirada muito rapidamente para comemorar um lançamento.” Em meio à ascensão do concorrente chinês TikTok, o pai do Facebook tem lidado com uma dura realidade: o metaverso, pelo menos por ora, parece ser uma grande bobagem.
Há muita gente que concorda com isso. O japonês Ken Kutaragi, ex-CEO da Sony e criador do PlayStation, disse não compreender qual o propósito do metaverso. Mais recentemente, o bilionário americano Mark Cuban, dono do time de basquete Dallas Mavericks e presidente da HDnet, jogou mais lenha na fogueira ao dizer que comprar imóveis no metaverso é o “investimento mais idiota que existe”. Uma denúncia de assédio sexual dentro da plataforma, feita por uma mulher que testava o metaverso do Facebook, também gerou reflexões relevantes sobre segurança.
Não há sequer consenso sobre o que pode ser considerado um metaverso. Jogos de sucesso, como Roblox, Minecraft e Fortnite, já se apresentam como tal. O termo foi cunhado há três décadas pelo escritor americano Neal Stephenson no romance Snow Crash, de 1992. Mais adiante, os filmes Matrix (1999) e, sobretudo, Jogador Número 1 (2018) reforçaram o conceito. O grande embrião do metaverso é o game Second Life. Criado em 2003 — com gráficos semelhantes aos postados por Zuckerberg, diga-se —, o ambiente interativo 3D permitia a socialização entre avatares, uma verdadeira segunda vida fora do mundo real. O jogo tornou-se febre, com mais de 1 milhão de usuários, mas seu declínio foi inevitável diante das limitações tecnológicas da época. De lá para cá, houve evidentes avanços, mas talvez não suficientes. O próprio criador do Second Life, Philip Rosedale, demonstrou ceticismo sobre a empreitada da Meta.
A relação direta do metaverso com o mercado das criptomoedas é um dos fatores de maior desconfiança. Um estudo feito pela Chainalysis apontou o roubo de 1,4 bilhão de dólares em moedas virtuais por meio de ataques hackers no primeiro semestre. O caso mais emblemático foi o sumiço do equivalente a 625 milhões de dólares da rede Ronin, que suporta os tokens do game Axie Infinity, um dos mais populares jogos do metaverso.
Diante de tanta incerteza, fica claro o descompasso entre expectativa e realidade. “Isso ocorre com diversas tecnologias que se apresentam como revolucionárias”, diz Edson Sueyoshi, vice-presidente da empresa digital R/GA. Ele cita a teoria do Ciclo Hype, segundo a qual é preciso haver um “pico de expectativas infladas”, passando pelo “vale das desilusões” até a adoção total e bem-sucedida de um projeto. “O metaverso tem muito disso, houve enorme excitação das pessoas, mas serão necessários no mínimo dez anos até tudo se estabelecer.” Até lá, convém manter os pés no chão.
Publicado em VEJA de 7 de setembro de 2022, edição nº 2805