Três décadas atrás, no já distante século passado, as estrelas de TV célebres a ponto de ter um programa com o próprio nome representavam uma elite tão seleta do showbiz que caberia em um pequeno camarim — era coisa para Faustão, Chacrinha, Xuxa e quase mais ninguém. Com acesso à internet e equipamentos mínimos, hoje qualquer pessoa pode batizar como quiser suas atrações e seu canal e ainda ter a chance de ser vista por tantos milhões de espectadores quanto aqueles que contam com o aparato milionário de uma emissora. É sobre a construção desse firmamento digital, no qual a audiência começou a mudar de mãos — e, com ela, os fãs, o faturamento e os dolorosos efeitos colaterais do estrelato —, que discorre O Clube dos YouTubers, escrito pelo editor de VEJA Filipe Vilicic, autor do blog A Origem dos Bytes.
Em suas 240 páginas de leitura ligeira, o livro mergulha no establishment casual criado pelo YouTube. Centenas de nomes mudaram de vida ou ao menos alavancaram a carreira graças à plataforma de vídeos, mas a obra se volta para a nata da turma, os brasileiros que viraram supercelebridades a partir da zero visualização, ainda que com pontos de largada bastante distintos. Há, por exemplo, a trajetória do humorista Whindersson Nunes, o garoto pobre do interior do Piauí que, para fazer cada gravação em um quarto abafado (por isso se habituou a aparecer sem camisa, uma marca registrada), tinha de caminhar 6 quilômetros até a casa de um amigo que lhe emprestava a filmadora — anos depois, ele se tornaria dono de um dos maiores canais do mundo (36 milhões de inscritos) e passaria a se deslocar não mais a pé, mas de jatinho rumo a shows pelo país. Um tanto diferente é o começo do Porta dos Fundos (16 milhões de inscritos), planejado nas mesas de um bar carioca, nas quais roteiristas da Globo destilavam a frustração com o humor arcaico tido como regra na TV aberta — que depois se inspiraria no sucesso dos rebeldes para transformar suas atrações cômicas. Há ainda o curioso caso do canal Galinha Pintadinha (quase 18 milhões de inscritos): um dos criadores se esqueceu de apagar do YouTube um vídeo que serviria de amostra para emplacar a animação na TV, que o rejeitou. Seis meses depois, acessou o link e viu que o hipnotizante desenho já tinha perto de 500 000 visualizações.
Nas páginas iniciais, o livro percorre algumas festas em 2016, uma promovida pelo YouTube Brasil, recheada de youtubers célebres, e outras organizadas por Whindersson por ocasião dos primeiros 10 milhões de inscritos em seu canal. As cenas são de beatlemania: fãs eletrizados e gente querendo tocar no piauiense a todo momento, dando já pistas de quão incômodo o sucesso pode vir a ser. Mais à frente, o garoto enfrentaria uma depressão, doença que acometeu estrelas como a paranaense Kéfera Buchmann e o carioca Felipe Neto, também nomes de primeira grandeza.
Os aborrecimentos de começar em um quartinho e se tornar gigante aparecem de forma mais contundente no depoimento de Neto. Dono de um tino comercial raro no meio, ele virou empresário, abrigou-se numa mansão apelidada de Netoland, criou uma empresa e ajudou a alavancar a carreira de nomes menos conhecidos. O hoje badalado Felipe Castanhari — que, nas palavras de Neto, “era ninguém, com 10 000 inscritos” quando trabalharam juntos — é um dos nomes que ele aponta como responsáveis por espalhar comentários ruins a seu respeito, o que acabou resultando em um “ranço” entre influenciadores digitais. Há coisas que não mudam. Seja no Projac, em Neverland ou na Netoland, a fama sempre cobra seu preço.
Publicado em VEJA de 7 de agosto de 2019, edição nº 2646