O truque de ‘Assassin’s Creed: Shadows’ para não ofender jogadores sensíveis
Após quatro meses de adiamento, jogo da franquia ambientado no Japão feudal chega com opção para evitar violência extrema

Após um adiamento que durou cerca de quatro meses, Assassin’s Creed: Shadows finalmente chega esta semana às plataformas de jogos. O atraso se deveu a problemas no cronograma de desenvolvimento da Ubisoft e a protestos de jogadores e historiadores japoneses contra representação equivocada de elementos da cultura do Japão. E valeu a pena, já que muitas arestas foram aparadas, incluindo a resolução dos problemas apontados pela comunidade nipônica. O protagonismo compartilhado, que se anuncia como uma grande novidade, serve também para contemplar pedidos por inclusão e diversidade, além de unir os diversos estilos de jogo da franquia.
Para celebrar o lançamento de Shadows a Ubisoft divulgou um vídeo especial em homenagem ao gênero Tokasatsu com a música-tema Strike as One. Tokusatsu é estilo conhecido de filmes e séries japonesas de ação dos anos 80 e 90 que mescla atores reais e efeitos visuais. O vídeo tem como trilha sonora a música-tema composta e interpretada por Edu Falaschi, cantor de metal e ex-vocalista da banda Angra. Confira o vídeo:
Ambientado no Japão do século XVI, o jogo apresenta uma dinâmica inédita com dois protagonistas jogáveis: Yasuke, o formidável samurai, que se acredita ter sido um jovem negro que serviu ao senhor feudal japonês Oda Nobunaga, e Naoe, a ágil shinobi. O desenvolvimento do jogo foi liderado pela Ubisoft Québec, com lançamento mundial nesta quinta, 20, em várias plataformas, incluindo Ubisoft+, PS5, Xbox Series X|S e PC. A proposta central é oferecer aos jogadores duas experiências distintas, mas complementares, imersas no período feudal japonês.
“Queríamos passar tempo com ambos, Naoe e Yasuke, para entender de onde eles vêm,” explicou a VEJA Brooke Davies, diretora assistente de narrativa, responsável pela história e personagens. “Sabemos que eles trazem perspectivas muito diferentes e únicas para o jogo.” Para aprofundar a imersão nas histórias individuais, a equipe utilizou flashbacks, permitindo que os jogadores conheçam o passado de cada personagem e como seus caminhos se cruzam. “Isso é feito de uma forma que também garante que obtenhamos a informação certa no momento certo, à medida que a história em torno de suas histórias pessoais se desenrola,” complementou Davies, mencionando que esses momentos de “backstory” podem trazer reviravoltas e surpresas para o jogador.
A estrutura narrativa de protagonistas duplos reflete diretamente na jogabilidade. Inicialmente em lados opostos, Yasuke, com seu foco em confrontos diretos e domínio de armamentos samurai como a Katana, o Kanabo e o rifle Teppo, contrasta fortemente com Naoe, que encarna a essência de uma Shinobi Assassina, utilizando um gancho para assassinatos aéreos e maior mobilidade, além de kunai e sua Lâmina Oculta personalizada para eliminações silenciosas.
“A narrativa dita o ritmo em que conhecemos esses personagens, e isso nos permite ensinar as mecânicas de cada personagem também no início,” detalhou a VEJA Simon Lemay-Comtois, diretor associado do jogo, responsável pelos combates e o protagonismo combinado. Uma vez que unem forças em torno de objetivos comuns, os jogadores têm a liberdade de alternar entre os dois heróis a qualquer momento no mundo aberto, explorando suas habilidades e armas únicas para abordar diversas situações e inimigos de maneiras distintas.
Essa liberdade de escolha estende-se à própria narrativa. “Às vezes, você pode estar mais interessado na perspectiva de Yasuke sobre um certo evento, então, se você jogar como ele, terá a visão dele,” revelou Davies. Os protagonistas podem até discordar em certos momentos da história, permitindo que o jogador decida qual perspectiva prevalecerá. “É muito divertido para a equipe de narrativa considerar duas perspectivas muito diferentes,” observou ela, ilustrando com o exemplo da figura histórica de Oda Nobunaga, visto como fonte de dor para Naoe e como representação do futuro de Yasuke. A equipe de desenvolvimento foi dividida com foco em furtividade para Naoe e combate para ambos os personagens, mas a visão dos dois protagonistas é compartilhada por todas as disciplinas.

Problemas no caminho
No entanto, o lançamento de Assassin’s Creed: Shadows não passou incólume no Japão. A representação de Yasuke como um samurai habilidoso gerou controvérsia, com críticas sobre imprecisões históricas e desrespeito à cultura japonesa. A Ubisoft chegou a emitir uma declaração pública sobre o cuidado na produção. “Nossa intenção nunca foi apresentar nenhum dos nossos jogos Assassin’s Creed, incluindo Shadows, como representações factuais da história ou de personagens históricos,” afirmou a empresa, ressaltando que o objetivo é despertar a curiosidade e encorajar os jogadores a explorar os cenários históricos.
Em resposta à sensibilidade do público japonês, a empresa optou por lançar uma versão mais “amenizada” no Japão, que não incluirá cenas de mutilação, como desmembramentos e decapitações. “Não temos desmembramento, não temos decapitação,” confirmou Simon Lemay-Comtois sobre a versão japonesa. Curiosamente, essa opção de desativar a violência explícita estará disponível também para outras regiões. “É uma opção que está disponível para a América do Norte e outros territórios. Se você não gosta da violência, pode desligá-la nas opções,” explicaram. Essa flexibilidade também atende a criadores de conteúdo que desejam evitar a desmonetização por violência.

Apesar das adaptações para o mercado japonês, a visão dos desenvolvedores é clara: Assassin’s Creed: Shadows busca ser uma “culminação de tudo o que veio antes” na franquia. A introdução de dois protagonistas com estilos de jogo contrastantes é uma tentativa de unir os fãs da “velha guarda” e os jogadores mais recentes. “Se você gosta de Assassin’s Creed pelo Ezio, Naoe será a personagem que você favorecerá ao entrar. E se você gosta de Odyssey e Valhalla, então Yasuke é muito mais o seu estilo,” analisou Lemay-Comtois.
O objetivo final é que os jogadores experimentem ambos os estilos, apreciando diferentes perspectivas do mesmo mundo e história, fortalecendo a comunidade Assassin’s Creed como um todo. Além disso, a nova tecnologia permitiu trazer o Japão feudal à vida com um nível de imersão inédito, com clima dinâmico e estações do ano marcantes, além de um mundo onde “praticamente tudo pode ser derrubado ou cortado”, tornando-o vivo e respirando com o jogador. Simon Lemay-Comtois também mencionou que nenhuma inteligência artificial foi utilizada no processo narrativo de escrita dos roteiros, sendo um trabalho artesanal. A ferramenta de texto para fala foi utilizada durante o desenvolvimento para testes, mas não estará no jogo final, que contará com a atuação de atores.
Com Assassin’s Creed Shadows, que também introduz um novo recurso de exploração chamado “Spy Network”, onde Naoe e Yasuke podem enviar espiões para obter informações, a Ubisoft não apenas explora um novo e fascinante cenário histórico, mas também inova na forma de contar suas histórias, entrelaçando as jornadas de dois personagens distintos em uma experiência de jogo rica e multifacetada. O jogo também está configurado para iniciar uma nova forma de contar histórias modernas com o presente e o “Animus Hub”, com narrativas que podem se desenrolar em jogos futuros e conteúdos pós-lançamento.