Os robôs invadem o lar
Feira de inovações indica uma tendência cada vez mais presente no dia a dia: a popularização de dispositivos domésticos com inteligência artificial
A feira CES (sigla em inglês para exposição internacional de eletrônicos de consumo), tradicional evento anual do setor em Las Vegas, nos Estados Unidos, é o mais reputado farol das tendências seguidas pela indústria da inovação — embora tenha perdido o posto de maior show de tecnologia do planeta para o Mobile World Congress, em Barcelona, na Espanha. A CES anda de mãos dadas com a história da criatividade humana. Em sua longínqua estreia, em 1967, atraiu mais de 15 000 visitantes para admirar os então novíssimos toca-discos portáteis, uau!, que substituíram as vitrolas. Era um indício de como passaríamos a ouvir música em aparelhos cada vez menores. Em 1976, houve estardalhaço com a apresentação da fita cassete. Em meados dos anos 1980, foi a vez do Commodore 64, o modelo de computador pessoal mais vendido de todos os tempos. Depois, em sucessivos e corretíssimos saltos, vieram os videogames modernos, como o PlayStation, as TVs 4K e, finalmente, os serviços de streaming, como Netflix e Spotify, hoje tão populares que dispensam descrições prolongadas.
Neste ano, o que indica a feira de Las Vegas para o futuro imediato dos gadgets? A aposta, inescapável e aparentemente certeira: dispositivos domésticos variados, da cozinha ao quarto, do banheiro ao quintal, guiados por inteligência artificial (IA). Vive-se, no aqui e agora, e logo ali adiante, a era da casa automatizada capaz de ser controlada remotamente.
Não se trata, ressalve-se, apenas de produtos já bem-sucedidos e em permanente evolução, como as populares torres de assistentes virtuais de IA, tal qual Alexa, da Amazon, úteis na sala de estar das residências. Há traquitanas para bichos, como o iKuddle, uma caixa de areia para gatos, de 399 dólares, que monitora toda a rotina do pet. Ou a vara de pescar ioTrapster, ideal para viagens familiares de fim de semana, cujo diferencial é alertar quando um peixe agarra a isca — legal, mas custa 500 dólares. E, como parece não haver limites, invade-se também a alcova. É o caso dos brinquedos sexuais high-tech da startup americana Lora DiCarlo, controlados por um software especializado em agradar às mulheres na hora H. Os banheiros também são atendidos. Outra fabricante americana, a Charmin, criou um robô apto a resolver alguns incômodos que surgem entre os azulejos. O aparelho detecta odores ruins e notifica a urgência de uma limpeza, além de repor o papel higiênico, tábua de salvação para surpresas (veja mais exemplos na arte abaixo).
A coleção de novidades nos dá a sensação da vida como imaginada para os nossos dias no desenho animado Os Jetsons, um clássico lançado nos anos 1960 pela produtora Hanna-Barbera, que foi exibido até a década de 80. Havia, nele, contudo, uma visão utópica, um tanto romantizada — e inalcançável, muitas vezes — do amanhã. Agora não: trata-se da realidade batendo à porta e a custos razoavelmente acessíveis. É essa a mensagem que brota dos corredores e estandes de Las Vegas.
A tendência integra uma recente onda, a da chamada IoT (na sigla em inglês, internet das coisas). O jargão indica aquela situação em que objetos, conectados on-line, podem ser comandados por voz, desempenham tarefas sem necessitar de programação prévia e chegam a se comunicar entre si — como o sensor de movimento instalado no quarto de uma criança que alerta o smartphone dos pais no momento em que o filho sofre uma queda inesperada.
A maioria dos produtos apresentados na CES está disponível no mercado, ou chegará em breve, até 2021. Todavia, há ainda uma série de protótipos futuristas, tal qual o projeto da Samsung que transforma as paredes de casa em alto-falantes e microfones estéreos responsáveis pela gerência de trabalhos domésticos. A IA caseira promete abrir um novo mercado. Espera-se que, apenas no Brasil, a venda de dispositivos de IoT cresça 300% neste ano. Acredita-se que 1 milhão de famílias terão um badulaque moderno até o próximo Natal. Para 2022, estima-se que em todo o mundo circulem 14 bilhões desses produtos chamados de “smart”. A movimentação será próxima de 50 bilhões de dólares por ano, atrelada, invariavelmente, a versões computadorizadas de utensílios com os quais já nos acostumamos, como geladeiras, sofás ou mesmo casinhas de cachorro. Diz a analista de tendências digitais americana Kasey Panetta, da consultoria Gartner, em entrevista a VEJA: “A internet das coisas é para onde progridem a computação e as transformações iniciadas com a chegada dos smartphones. O próximo passo será a onipresença desses produtos”. E não demorará para que, considerando-se a facilidade de uso e a utilidade, eles se espalhem silenciosamente — sem nem mesmo nos darmos conta de sua existência.
Publicado em VEJA de 15 de janeiro de 2020, edição nº 2669