Por que cidades da Europa estão fechando o cerco contra SUVs
Taxas são criadas para reduzir a circulação dos grandões e as emissões provocadas pelos utilitários, mais pesados e menos eficientes
Foi-se o tempo dos carros compactos e dos sedãs. Hoje, quem trafega pelas ruas de São Paulo, Nova York, Londres ou Paris percebe que o trânsito é dominado pelos grandes SUVs, sigla para os utilitários esportivos, carros que há poucas décadas só tinham apelo para os praticantes de trilhas off-road. Dados do mercado mostram que eles já representam a maior parcela das vendas de novos veículos. Os Estados Unidos são a terra dos grandalhões dentro da categoria, ou full-size, gigantes que transportam sete pessoas e pesam mais de 2,5 toneladas. No Brasil, os SUVs foram o segmento com mais emplacamentos de 2023. E até a Europa, onde antes a adoção desses modelos era mais lenta, devido às ruas estreitas, se rendeu aos carros espaçosos. Pela primeira vez, representam mais da metade — exatos 51% — das vendas.
O crescimento da frota amplia um problema ambiental e de segurança. Pelo tamanho e peso, eles gastam muito mais combustível. Vários são vendidos com motores a diesel ou gasolina, mais poluentes. São também perigosos para pedestres em uma eventual colisão. Dados apontam que o número de acidentes fatais envolvendo quem caminha aumentou 57% nos Estados Unidos à medida que os novos veículos ficaram maiores.
Não à toa, governos e ativistas têm declarado guerra aos SUVs. A vanguarda do combate se dá na Europa. Um referendo em Paris aprovou, em fevereiro, a cobrança de uma taxa muito maior de estacionamento para carros a combustão ou híbridos com peso superior a 1,6 tonelada. Agora, o custo por hora é de 18 euros (quase 100 reais) no centro, o triplo do normal, e 12 euros (60 reais) em outras áreas da cidade. A prefeitura de Milão, uma das metrópoles mais poluídas da Itália, anunciou planos de barrar totalmente os carros do cinturão histórico, medida para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. Estocolmo, na Suécia, banirá de vez da região central, a partir de 31 de dezembro, veículos com motores a combustão que usem diesel ou gasolina. Em Londres, há pressão para ampliar a taxação sobre esses veículos até que se torne praticamente impossível dirigi-los sem custos exagerados.
Para alguns militantes climáticos, mexer com o bolso dos usuários é pouco. O grupo conhecido como Tyre Extinguishers, ou “extintores de pneus”, decidiu agir de modo raivoso. Durante a noite, eles percorrem cidades esvaziando todos os pneus dos SUVs estacionados. Os donos desses carros, claro, ficam revoltados. Os reclamões, em resposta — e como se ela fosse capaz de justificar a violência —, exibem dados científicos. Um estudo da Agência Internacional de Energia divulgado no final de 2023 aponta o tamanho do estrago: se os SUVs fossem um país, seriam o sexto maior poluidor do planeta.
A popularização dos utilitários tem uma explicação prática. Na década de 1970, os Estados Unidos sofreram com a falta de petróleo vindo dos países árabes e o caos se instalou. A partir daí, o governo americano criou regras rígidas para que os chamados carros de passeio, incluindo os sedãs e as peruas, tivessem um consumo energético mais eficiente. A partir de 1985, deviam rodar 11 quilômetros com 1 litro de combustível, ou mais até. Utilitários e picapes, contudo, tinham regras bem mais brandas, já que eram considerados veículos de trabalho e circulariam menos.
Com o passar do tempo, a indústria concentrou as principais inovações tecnológicas nos utilitários, e obviamente o apelo popular cresceu. Hoje, de fato, os SUVs são bem equipados e oferecem conforto para famílias maiores. Uma solução para a indústria é torná-los mais eficientes. “As montadoras estão tomando a frente e desenvolvendo motorizações híbridas ou flex, mais econômicas”, afirma Milad Kalume Neto, da consultoria automotiva Jato Dynamics. A trégua não desponta no horizonte — ainda que a ciência anule a sujeira emitida, eles continuarão bojudos. E tamanho virou um mau documento.
Publicado em VEJA de 8 de março de 2024, edição nº 2883