Por que seguir Trump nas redes sociais não é apenas mero acaso
A aproximação entre grandes corporações e governos coloca as redes sociais no centro de debates sobre influência política e controle digital

A posse de Donald Trump como 47º presidente dos Estados Unidos trouxe mudanças que ultrapassaram o âmbito político e alcançaram as redes sociais. Desde o dia 20 de janeiro, usuários do Instagram e Facebook relataram que começaram a seguir automaticamente as contas institucionais do novo governo, incluindo Trump, o vice JD Vance e a primeira-dama Melania Trump.
Essa migração acontece porque contas institucionais, como @POTUS (abreviação de “President of the United States”), são geridas pela Casa Branca e não por indivíduos específicos. Isso significa que, quando há uma troca de governo, os seguidores dessas contas são automaticamente transferidos para os novos ocupantes do cargo. Por exemplo, quem seguia Joe Biden enquanto ele era presidente passou a seguir Donald Trump no dia de sua posse.
Para preservar o histórico das administrações anteriores, os conteúdos publicados são arquivados em contas específicas, como @POTUS46Archive, dedicada ao mandato de Joe Biden, enquanto a nova gestão utiliza a conta ativa @POTUS. Embora essa prática tenha sido adotada em transições anteriores, desta vez gerou um estardalhaço maior, reflexo do ambiente polarizado em que as redes sociais operam atualmente.
Muitos usuários declararam nunca ter seguido líderes políticos antes e criticaram a falta de controle sobre suas próprias contas. “O medo e a desconfiança amplificam qualquer movimento. Nesse caso, a migração foi vista como parte de um recalibramento das redes para reforçar pautas republicanas”, afirma Benjamin Rosenthal, professor da Fundação Getulio Vargas.
Alinhamento político em construção
A migração automática de seguidores trouxe à tona discussões sobre neutralidade e imparcialidade nas plataformas digitais. As redes sociais, que antes eram vistas como espaços de expressão e conectividade, agora têm seu papel questionado, especialmente em momentos de transição política. O episódio gerou uma desconfiança que vai além da simples transferência de contas, colocando em evidência a relação cada vez mais próxima entre grandes empresas de tecnologia e o poder político.
“Nós já estamos vendo algumas mudanças. Primeiro, o interesse do Musk no Twitter, depois sua aproximação com Trump, e agora o Musk passa a ser governo. Tudo isso cria uma esteira para a Meta”, afirma Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação. As mudanças em plataformas como Instagram e Facebook não são isoladas. Elas refletem ajustes mais amplos que moldam os algoritmos, priorizando conteúdos e discursos alinhados ao cenário político vigente. “Parece que estamos vendo uma guinada rápida e significativa, impulsionada pelo atual momento político”, avalia.
Além disso, a proximidade de grandes corporações com líderes específicos, como Donald Trump, alimenta a percepção de alinhamento ideológico das redes, mesmo que essa intenção não seja explícita. “O alinhamento entre as grandes corporações do Vale do Silício e o atual governo é algo que parece inevitável. Eu realmente não vejo como isso não vá acontecer. Mas esse tipo de aproximação precisa ser feito de forma discreta, para evitar resistência pública”, explica Rosenthal.
Qual é o papel de Elon Musk no cenário digital?
A entrada de Elon Musk como figura influente no governo Trump adiciona mais incertezas ao cenário político-tecnológico. Conhecido por decisões ousadas e controversas, Musk agora se aproxima de um ambiente político que reflete sua visão de liberdade de expressão e inovação tecnológica. Esse alinhamento, no entanto, não acontece de forma isolada. “Estamos vivendo um momento em que o poder econômico, tecnológico e político estão extremamente próximos, quase sobrepostos. Isso certamente muda as regras do jogo”, comenta Igreja
Assim, figuras como Musk têm a capacidade de transformar as dinâmicas das redes sociais com um simples anúncio ou decisão. Ao mesmo tempo, a falta de transparência sobre como essas plataformas operam reforça a desconfiança do público. “Nós vivemos em um grande mundo de magia e curiosidade. Não sabemos o que acontece por trás das cortinas, quem é o ‘mágico de Oz’, brinca Igreja. “Tudo isso está empacotado em software, e o público não tem ideia de como esses algoritmos realmente funcionam”, finaliza.
Parece óbvio afirma que quando os usuários não entendem como os algoritmos funcionam ou como os conteúdos são priorizados, torna-se mais fácil para líderes e empresas moldarem narrativas sem serem questionados. Decisões invisíveis moldam a opinião pública global.
Desconfiança pública e desafios para os usuários
O impacto da migração automática de seguidores é mais do que técnico. Ele reflete uma sensação crescente de que os usuários têm cada vez menos controle sobre suas interações digitais. Essa percepção é agravada pelo fato de que as redes sociais não fornecem explicações claras sobre como e por que essas práticas acontecem. Nesse ambiente, qualquer ação das plataformas, como a migração de seguidores, pode parecer parte de um plano maior para amplificar vozes políticas específicas – mesmo quando não há provas claras dessa “manipulação digital”.
“A migração já aconteceu antes e vai continuar acontecendo. Ela parte do pressuposto de que os cidadãos querem seguir as figuras no poder executivo. Mas o estardalhaço em torno disso reflete o clima atual: as pessoas estão usando o evento para expressar seus medos e críticas”, conclui Rosenthal.
A concentração de poder nas mãos de poucos atores, tanto nos governos quanto nas corporações, representa um desafio significativo para o futuro das redes sociais. A transparência sobre práticas como migração de seguidores ou priorização de conteúdos não é apenas desejável; é essencial para preservar a confiança dos usuários. “Mas é preciso ter calma antes de cravar que essa mudança será permanente. Já vimos ciclos assim antes”, avalia Igreja.
Ao mesmo tempo, a pressão pública por mudanças deve aumentar à medida que episódios como esse continuem ocorrendo. Redes sociais como Instagram, Facebook e Twitter não são apenas plataformas de interação: tornaram-se atores centrais em um jogo político global, onde decisões aparentemente técnicas podem impactar diretamente a democracia e a liberdade de expressão.