Por muito tempo, o Salão do Automóvel de São Paulo foi o principal evento do calendário automotivo brasileiro e um dos mais relevantes da América Latina. As montadoras presentes no país aguardavam o encontro para apresentar modelos badalados e o público visitava o espaço para ver de perto as novidades, geralmente em estandes grandiosos. Aberto pela primeira vez em 1960, quando a indústria brasileira começava a ganhar força, e realizado a cada dois anos, primeiro no Parque Ibirapuera, depois no Anhembi e, por fim, no São Paulo Expo, o Salão teve um momento de auge, quando reunia mais de 600 000 pessoas, mas foi perdendo tração. A última edição aconteceu em 2018. Com a pandemia, sua realização foi suspensa, e as próprias montadoras aproveitaram a situação para deixar de pagar o alto preço exigido para participar e personalizar os estandes. Agora, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) cravou: o Salão retornará no fim de 2025. A volta do evento era mais uma demanda saudosista do presidente Lula, dada sua histórica ligação com o setor. E tornou-se uma bandeira do presidente Márcio de Lima Leite, responsável pela atual gestão do negócio. O cenário atual, no entanto, é absolutamente diferente do passado de pompa.
Os tempos mudaram, e o tradicional espetáculo entre quatro paredes arranha as engrenagens, sem charme. No mundo inteiro, brotam ideias para atender o público interessado em pôr a mão na massa e o pé no acelerador. Não basta mais ver e pegar uns folhetos. Em Pequim, na China, os expositores têm apostado em estandes imersivos e test drives em ambientes controlados. Em Detroit, nos Estados Unidos, capital da indústria automotiva americana, o tradicional salão quase foi cancelado e viveu anos difíceis até ser remodelado, como se fosse um parque de diversões. Até o Salão de Frankfurt, na Alemanha, não resistiu e foi abandonado. Hoje, o evento é uma festa animada em Munique.
Não demorou, é claro, para que os brasileiros bebessem dessa fonte. O principal exemplo vem do Festival Interlagos. Criado em 2019 como uma feira voltada para as fabricantes de motocicletas, ganhou uma edição de carros em 2022, que vem crescendo desde então. Neste ano, o festival recebeu 111 000 pessoas em cinco dias. Mais do que atrair o público interessado em testar os lançamentos das montadoras no icônico autódromo, o evento tem atraído a atenção da indústria. Novos modelos passaram a ser expostos lá, e até novas marcas escolheram Interlagos para se apresentar ao país — caso da chinesa Neta, que começa a vender seus carros elétricos agora. Márcio Saldanha, fundador do evento, tem aproveitado para alfinetar o antigo encontro. “Muitos me perguntam qual a diferença entre um salão e o festival. É como comparar uma televisão de tubo e uma de LED 8K”, diz. Resumo da ópera: trata-se de oferecer as chamadas “experiências”.
O antigo modelo estático, enfim, em que os carros ficavam apenas parados em um grande galpão, perdeu o apelo, ressalte-se, com estridência. Atenta à mudança, a Anfavea já afirmou que o retorno do Salão do Automóvel atenderá aos novos tempos. A inspiração principal é a feira de tecnologia CES, realizada anualmente em Las Vegas, nos Estados Unidos, que vem ganhando participação crescente de montadoras ao misturar veículos com smartphones e outros badulaques tecnológicos. O desafio não é trivial. Vive-se uma ruidosa revolução em cima de quatro rodas.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915