As girafas — sabem os adultos, adoram as crianças — são animais calados. O senso comum lhes atribui mudez, mas não é bem assim. O som emitido é muito baixo, e há uma explicação biológica: a traqueia é mais estreita do que a dos outros animais, de modo a reduzir a quantidade de ar parado no enorme e lindo pescoço, o que poderia dificultar a respiração. Como respirar é prioritário, a emissão de sons foi relegada a papel secundário na evolução da espécie mamífera. Quietamente, as girafas vivem o que os conservacionistas chamam de “extinção silenciosa”.
Em 1980, a população dos bichões na África era de 155 000. No ano passado, chegou a 117 000, em redução de 25% — ainda que, nos últimos anos, tenha havido alguma recuperação. Não por acaso, a União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Internacionais (IUCN, na sigla em inglês) listou as girafas no grupo de animais da chamada “lista vermelha”, em perigo, à procura de atenção. As ameaças, induzidas pelo ser humano: a destruição e fragmentação do hábitat, atalho para doenças, resultado da crescente pressão econômica pela mineração e exploração de petróleo nas florestas e savanas africanas, especialmente na Namíbia, Uganda, Quênia e Níger. Além, é claro, da caça — postura infame que até outro dia era valorizada, gloriosa, sombra da vergonha praticada com pompa e circunstância no século XIX e celebrada em ilustrações.
Mas, afinal, por que se considera a extinção silenciosa, em comparação, por exemplo, com o sumiço de rinocerontes, personagens contumazes em relatórios e reportagens? Porque rastreá-las é um imenso desafio de design atrelado à fauna. As coleiras com GPS, de monitoramento por satélite, costumam ser postas em volta do pescoço. Contudo, o pescoço das girafas — que poderia ser desenhado por Amedeo Modigliani, delgado a não mais poder, de 1,80 metro, em média — é fino na parte superior e grosso na porção inferior, inadequado. Os dispositivos deslizam para baixo quando o animal abaixa a cabeça, causando desconforto, com risco de o objeto se romper. Os pesquisadores experimentaram tornozeleiras, anéis torácicos e até etiquetas coladas nas protuberâncias ósseas em forma de chifre no topo da cabeça. Nada funcionou. Agora — eis a fascinante novidade, o pulo do gato — a tecnologia permitiu a montagem de minúsculos rastreadores do tamanho de uma barra de chocolate, pequenos o suficiente para serem presos na ponta da cauda ou na orelha.
Os novos marcadores são movidos a energia solar, menos intrusivos e afeitos a durar de um a dois anos. “Saber onde estão e para onde se movimentam é extraordinário recurso de preservação”, disse a VEJA Stephanie Fennessy, diretora-executiva da Giraffe Conservation Foundation, dedicada a zelar pela vida dos adoráveis ruminantes compridões.
O conhecimento dos passos das manadas é fundamental para um outro movimento crucial de cuidado: a chamada “translocação”, com o estabelecimento de novas populações em áreas antes vazias e ainda imunes aos danos da civilização. É recurso que impõe detalhada logística, realizada pelo acompanhamento eletrônico e com o apoio de ONGs e governos, em costura feita pela equipe de Fennessy. “É possível imaginar a África sem girafas?”, indaga a ambientalista. “Há preocupação, justificada e real, com rinocerontes e também elefantes, mas elas parecem ter sido esquecidas.” Há tempo de salvá-las, com a ciência a favor da ecologia. A mensagem parece clara: quanto mais informações, maiores são os caminhos de salvação.
Vale sempre lembrar o bonito comentário da escritora dinamarquesa Karen Blixen (1885-1962), autora do clássico A Fazenda Africana, que inspirou o filme Entre Dois Amores, de Sydney Pollack, com Meryl Streep e Robert Redford: “As zebras são doces, mas, claro, elas se parecem com cavalos; os gnus parecem perigosos, mas não o são; uma visão magnífica é a de um grupo de girafas, e a primeira vez que as vemos mal podemos crer em nossos olhos quando notamos sua altura e esbelteza, como um bando de grandes serpentes no mais estranho movimento de balanceio”. As girafas — calmas, tímidas, com um quê de não estar nem aí — pedem carinho.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875