Trombada ideológica: como o elo entre Musk e Trump respinga na imagem da Tesla
Ao negligenciar os sinais dados pelos clientes e pelo mercado, o bilionário corre o risco de prejudicar de vez seus negócios

Os carros elétricos da Tesla estão em combustão. Desde que o bilionário Elon Musk, dono da marca, assumiu um cargo no governo de Donald Trump, responsável pelo corte de gastos públicos e defensor mercurial das ideias do chefe, deu-se uma onda severa de protestos contra a empresa. Começou de forma tímida, com proprietários de Tesla colando adesivos engraçadinhos em seus carros, com mensagens como: “Comprei esse carro antes de Musk mostrar seu lado sombrio”. Com o passar do tempo, a revolta aumentou. Na Europa, grupos de manifestantes passaram a se reunir em frente a concessionárias para gritar contra a influência desmedida do sul-africano. Os protestos se espalharam e chegaram aos Estados Unidos.
Além das manifestações pacíficas, alguns vândalos passaram a depredar carros da Tesla e concessionárias. Os dois casos mais dramáticos aconteceram no início de março, com fogo ateado a veículos estacionados em um centro de serviços de Las Vegas. Em Kansas City também houve explosões, agora investigadas pela polícia. O efeito mais imediato da confusão, evidentemente atrelada à permanente postura irascível de Musk, pode já ser medido em cifras.

A empresa tem sofrido de forma perceptível com a queda nas vendas. Um número crescente de clientes tem optado por vender seus modelos Tesla e comprar outras marcas. O senador democrata do Arizona, Mark Kelly, astronauta da Nasa aposentado, foi um deles. “Quando comprei essa coisa, não achei que ela se tornaria um problema político”, disse ele no vídeo em que se despede do carro. “Nos últimos sessenta dias, cada vez que entro nesse carro sou lembrado do quanto Elon Musk e Donald Trump estão prejudicando este país”, completou (claro que a peça viralizou). Mais tarde, revelou ter substituído o elétrico pelo Tahoe, um SUV grande da Chevrolet, beberrão de gasolina. As ações também despencaram. No início da semana passada, eram avaliadas a 278 dólares. Em 17 de dezembro, antes de Trump começar seu segundo mandato, haviam alcançado fenomenais 478 dólares, maior valor histórico.
Não é a primeira vez que a Tesla sofre com as atividades de seu presidente. Quando Musk anunciou a compra do Twitter, em 2022, e começou a vender suas próprias ações para pagar a conta, a desvalorização foi enorme, e os papéis da empresa derreteram. Mas o empresário sempre soube contornar as dúvidas e retomar a confiança dos investidores. Desta vez, parece não conseguir repetir a mágica.

Para o mercado de veículos elétricos, a queda de prestígio e valor da Tesla é problemática. A empresa fundada em 2003 por Martin Eberhard e Marc Tarpenning surgiu como uma alternativa de mobilidade embebida de energia limpa. Em 2004, Musk comandou a primeira rodada de investimentos e passou a controlar a companhia. O primeiro modelo da Tesla, o Roadster, começou a ser vendido em 2008, e desde então o portfólio só cresceu. Inclui o esportivo Model S Plaid, capaz de acelerar de 0 a 100 quilômetros por hora em 2,1 segundos, o sedã Model 3, o SUV Model X e a ruidosa picape Cybertruck. Desde o início dos anos 2020, Musk, em um tempo em que mantinha distância regulamentar de Trump, passou a ser visto como um guru da mobilidade do futuro, e as vendas da Tesla dispararam. A empresa chegou a ser a maior fabricante de veículos elétricos do planeta, avaliada em 1 trilhão de dólares, até ser superada pela chinesa BYD.
Ao negligenciar os sinais dados pelos clientes e pelo mercado, Musk corre o risco de prejudicar de vez seus negócios. A freada embute uma mensagem histórica, a de derrocadas de imagem. O caso mais emblemático dos últimos anos é o do rapper Kanye West. Ele tinha uma valiosíssima linha de tênis e roupas em parceria com a Adidas. Depois de uma série de comentários antissemitas, perdeu o contrato e sua grife sumiu do mercado. A escritora britânica J.K. Rowling atraiu a fúria dos fãs depois de provocações transfóbicas nas redes sociais. Uma parcela dos leitores propôs boicote a qualquer obra baseada no universo de Harry Potter, incluindo o game Hogwarts Legacy, lançado em 2023, no auge da polêmica. Com o tempo, porém, os fãs passaram a relevar a posição de Rowling e continuam curtindo as histórias do bruxo. Mas ela deixou de ser unanimidade. Resta saber se a Tesla sobreviverá à avalanche. A tarefa não será fácil, nem para Musk, mestre em manobras ousadas.
Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937