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Um buraco no caminho: o futuro das patinetes elétricas no Brasil

A saída da Lime do país e o enxugamento da Grow acenderam o pisca-alerta para o estado da micromobilidade por aqui - mas há gigantes que apostam no negócio

Por Felipe Mendes e André Lopes
Atualizado em 4 jun 2024, 15h00 - Publicado em 31 jan 2020, 06h00
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  • Elas têm, em média, uma baixa velocidade — cerca de 25 quilômetros por hora —, exigem do piloto certa destreza e estão longe de esbanjar segurança. Mesmo assim, andando na contramão do que se poderia imaginar, as patinetes elétricas começaram a ser vistas, nos últimos anos, como a melhor solução de micromobilidade urbana, ou seja, aqueles trajetos curtos, que podem ser cumpridos em poucos minutos e muitas vezes incluem o percurso de casa até a escola ou o trabalho.

    A mudança veio ao encontro de um estilo de vida difundido pelas novas gerações, preocupadas, por exemplo, com a qualidade do ar que se respira. Não é de estranhar que as patinetes elétricas tenham conquistado, de saída, tantos adeptos. Por isso mobilizaram, mundo afora, startups interessadas em aproveitar o potencial do mercado que se abria. O Brasil, claro, não ficou de fora — e metrópoles como São Paulo e Rio entraram na rota dos investimentos.

    Nas últimas semanas, no entanto, a saída da Lime — empresa americana de compartilhamento de patinetes — do país e o anúncio do enxugamento da Grow — companhia resultante da fusão entre as marcas Grin e Yellow —, que deixou de operar em catorze cidades brasileiras, acenderam, para muitos, o pisca-alerta para o futuro da micromobilidade por aqui.

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    TRÂNSITO – Usuários em Paris: multas pesadas para quem desrespeita as regras (./AFP)
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    É muito cedo ainda para que seus críticos digam que foi apenas um modismo do verão passado. Ao mesmo tempo em que algumas empresas saem de cena, outras têm contornado o pessimismo e seguido adiante para provar que as patinetes rodam em chão firme. A americana Uber, por exemplo, mais conhecida pela criação de um aplicativo que conecta diretamente motoristas a passageiros, iniciou no fim do ano passado seu serviço de compartilhamento de patinetes em Santos, no litoral de São Paulo. No dia 24 de janeiro, recebeu autorização para operar na capital paulista — o que deve ocorrer ainda neste semestre. A companhia começou a investir nesse mercado mais agressivamente em 2018, quando adquiriu a startup americana Jump Bikes, por cerca de 100 milhões de dólares. Naquele ano também, a Tembici, que é responsável pela produção e gestão das bicicletas do banco Itaú, realizou um projeto piloto de compartilhamento de patinetes, com patrocínio da Petrobras. Continua a estudar o setor e não descarta uma nova investida. “Vimos, num primeiro momento, que o custo operacional para esse tipo de negócio é alto, e estamos com dificuldade para transformá-lo em algo acessível a toda a população”, afirma Mauricio Villar, cofundador da Tembici.

    Naturalmente, a busca pela rentabilidade ditará a marcha dos negócios, para além das discussões sobre sustentabilidade. Dessa forma, faz sentido que as patinetes elétricas sejam apenas um complemento do port­fólio de companhias como a Uber — que estão envolvidas em mobilidade urbana, mas que não têm os pequenos veículos como seu, digamos, carro-­chefe. “Elas podem assim subsidiar o negócio enquanto esperam colher os resultados”, analisa Daniel Domeneghetti, da consultoria Dom Strategy. Os empecilhos financeiros são grandes. Não bastasse o alto custo de manutenção — devido à péssima qualidade de ruas e calçamentos das metrópoles brasileiras —, acidentes, roubos e vandalismo são problemas frequentes. Isso para não falar do cerco que as prefeituras têm feito a esse mercado, pela falta de regras. Só em São Paulo, 125 acidentes envolveram patinetes, skates e similares entre janeiro e maio de 2019 — o último período divulgado —, um avanço de 12,6% em relação ao mesmo período no ano anterior.

    arte-patinete

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    A preocupação nessa seara é global. Segundo um levantamento do departamento de saúde de Austin (EUA), desde 2018 as patinetes elétricas causam vinte acidentes a cada 100 000 corridas. Parece pouco, entretanto, para efeito de comparação, a cada 100 000 decolagens de aviões, apenas 0,16 se envolve em algum tipo de incidente. Em Paris, na França, foram implantadas em 2019 pesadas multas para os usuários que desrespeitam as regras de trânsito — quem, por exemplo, estacionar uma das 15 000 patinetes disponíveis na capital francesa em lugar proibido terá de pagar até 135 euros (620 reais, aproximadamente) como punição. Lá, deu certo. Aqui, o usuário não é o foco das admi­nis­tra­ções municipais, que miram as empresas, obrigadas a disponibilizar guias de instrução e a recolher patinetes mal estacionadas, sob o risco de multa que, em algumas cidades, chega a 20 000 reais.

    Ainda que uma companhia ou outra não se adapte às legislações de determinados locais, está claro que as patinetes podem voltar a ganhar tração. De acordo com a consultoria alemã Roland Berger, esse mercado movimentará 9 bilhões de dólares até 2021. “O que ainda está em processo de consolidação é a adaptação das cidades”, observa Tomas Alvim, cofundador da Arq.futuro, plataforma de discussão de questões urbanas. Mas, de fato, apareceu um buraco no meio do caminho.

    Publicado em VEJA de 5 de fevereiro de 2020, edição nº 2672

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