Depois de condenado e preso, ex-ministro Geddel está de volta ao batente
Ele diz que dinheiro encontrado em seu apartamento era para campanha política
Em 2016, nada acontecia de importante no cenário político nacional sem que Geddel Vieira Lima, então ministro-chefe da Secretaria de Governo, soubesse. Ele era o braço direito do presidente Michel Temer e um dos mais influentes líderes do partido dele, o PMDB. Antes disso, já havia ocupado várias posições de destaque. Foi ministro da Integração Nacional no segundo mandato de Lula, vice-presidente da Caixa Econômica no governo da presidente Dilma Rousseff e deputado por cinco mandatos consecutivos. Por onde passou, deixou marcas — algumas delas pouco ou nada edificantes. A mais conhecida ocorreu durante as investigações da Lava-Jato, quando a Polícia Federal apreendeu 51 milhões de reais escondidos em um apartamento alugado pelo ex-ministro em Salvador. A bolada seria produto de propina. Geddel sempre negou ser dono do dinheiro, o que não evitou que ele fosse condenado e preso por corrupção. Em qualquer lugar civilizado do planeta, certamente seria o fim de uma carreira.
Libertado em 2020, depois de cumprir três anos em regime fechado, no ano passado o ex-ministro começou a ensaiar o seu retorno à política. Ainda de maneira discreta, apoiou o candidato do PT ao governo local e esteve no palanque do presidente Lula. Em troca, ganhou o direito de indicar o secretário de Administração Penitenciária do estado e a promessa de retribuição do apoio do PT na eleição municipal do ano que vem. Mesmo sem cargo formal, ele continua como o mandachuva do MDB da Bahia. O ex-ministro opera para construir uma ampla aliança em torno do candidato do seu partido à prefeitura de Salvador — só que agora de maneira ostensiva, sem constrangimentos e colocando à prova o prestígio de outrora. Ele afirma que finalmente está conseguindo sair do “vale dos leprosos” — a metáfora que usa para definir o ostracismo político que o escândalo de corrupção lhe impôs.
O fato é que Geddel não se esconde mais. Ele montou uma empresa de consultoria política, participa de reuniões com empresários, concede entrevistas a emissoras do estado, está ativo nas redes sociais e tem falado sobre tudo — ou quase tudo. No cenário nacional, por exemplo, atribui parte das dificuldades que o governo enfrenta no Congresso ao estilo do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, “um cintura dura”. Lula, por sua vez, é um “bagrão”, um exemplo de negociador habilidoso. Na outra ponta, o ex-ministro reafirmou que não gosta do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas considera a inelegibilidade dele “um erro brutal” do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “A inelegibilidade não é pena, porque tira do eleitor o direito de julgar”, criticou ele, que está inelegível até 2025. Nas rodas de conversa, é recorrente o questionamento sobre sua intenção em voltar a disputar um mandato. Da última vez que essa pergunta foi feita, Geddel saiu-se com essa: “Cabe ao eleitor julgar se quer ou se não quer. Lula passou 580 dias no xilindró. Às vezes me perguntam: ‘Qual a diferença sua para Lula?’ Passamos no mesmo hotel”.
O hotel a que Geddel Vieira se refere é a penitenciária da Papuda, em Brasília, onde ele ficou 1 010 dias preso. Diferentemente de Lula, que esteve detido numa sala da superintendência da Polícia Federal no Paraná, o ex-ministro passou por maus bocados em sua “hospedagem”. Há vários registros de indisciplina e brigas com outros presos em seu prontuário. Certa vez, ele chegou a ser conduzido a uma delegacia, acusado de desacatar um policial. Em outro episódio, protagonizou uma greve de fome em protesto a uma punição que recebeu por mau comportamento. Depois, em uma vistoria de rotina, os carcereiros encontraram 200 comprimidos entre relaxantes, calmantes e antidepressivos. Um laudo médico anexado ao dossiê advertiu que “se todas essas substâncias fossem ingeridas em sua totalidade poderiam causar a morte”. É compreensível e até natural, portanto, que Geddel queira deixar no passado essa etapa de sua vida.
Desde que deixou a prisão, ele ainda não havia se mostrado disposto a falar publicamente sobre seu caso, particularmente sobre a montanha de dinheiro encontrada no apartamento. Mas até isso, ao que parece, foi superado. Quando o escândalo explodiu, o ex-ministro negou qualquer envolvimento e afirmou que desconhecia a existência das malas e caixas de papelão milionárias. Hoje, ele admite que o dinheiro seria usado na campanha para o governo da Bahia em 2018. “Eu reconheço que o meu grave equívoco foi ter colocado o desejo de chegar a governador da Bahia acima dessa visão. Estou pagando o preço”, afirmou numa entrevista recente, sem, no entanto, revelar a origem dos recursos, os eventuais doadores ou prováveis destinatários. “Qual era a outra alternativa? Ia ter que chamar 500 pessoas aqui para se explicar. Eu não queria isso, não quero isso e vou morrer sem querer. Deixa eu continuar carregando aquilo que meu destino, a circunstância, a inabilidade colocaram sobre meus ombros”, explicou. Um dos poucos políticos apanhados pela Lava-Jato e efetivamente punidos na Justiça, Geddel está de volta ao batente.
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2023, edição nº 2850