Com Zema cotado como presidenciável, Novo abandona dogmas para sobreviver
Fundado com posturas originais como a recusa ao dinheiro público, partido decidiu que era a hora de flexibilizar algumas de suas bandeiras
O Novo foi fundado em 2011 pretendendo levar para a política parte da cartilha empresarial: o partido seria mantido com recursos privados, com veto ao uso de dinheiro público, e a escolha de candidatos em processo seletivo. A largada foi promissora. Em 2018, sua primeira eleição geral após o registro, em 2015, elegeu Romeu Zema governador de Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país. Também emplacou oito deputados federais, e o seu fundador, o empresário João Amoêdo, ficou em um surpreendente quinto lugar na corrida presidencial, com 2,5% dos votos. Seguiu-se, no entanto, uma dura derrocada em 2020 (quando fez apenas um prefeito) e 2022, quando elegeu três deputados, insuficientes para superar a cláusula de barreira. Viu ainda o número de filiados murchar de 46 000, em 2019, para 33 000, hoje, enquanto ideologicamente ia se inclinando cada vez mais à direita. O flerte com o bolsonarismo foi decisivo para um racha que levou à saída de Amoêdo da sigla, em novembro de 2022. Em meio a esse quadro, e para sobreviver politicamente, o Novo decidiu que era a hora de flexibilizar alguns de seus dogmas.
O primeiro a cair foi o veto ao uso de dinheiro público. A sigla aprovou o uso dos rendimentos dos cerca de 100 milhões de reais do Fundo Partidário que acumulou em sua conta — o montante rende cerca de 1 milhão de reais por mês. Agora, discute a utilização do Fundo Eleitoral nas disputas às prefeituras em 2024, vistas como decisivas ao futuro da agremiação. Já o processo seletivo passou a ser acompanhado de um processo mais voltado para a formação política de filiados. Os critérios para a abertura de diretórios municipais foram flexibilizados. Antes eram necessários 60 000 reais em arrecadação e 150 filiados — agora, só é preciso haver três dirigentes, uma lista mínima de nomes para disputar a eleição e capacidade para captar recursos. A sigla também aprovou a profissionalização dos dirigentes, com a remuneração de alguns. “O modelo de voluntariado é muito legal para uma ONG, mas não funciona para um partido. As pessoas, os filiados, os apoiadores querem profissionalização. Todos os outros partidos são profissionais e o Novo não”, justifica Eduardo Ribeiro, presidente da legenda.
As mudanças, indicam os dirigentes, são frutos de duro aprendizado. Para Ribeiro e outros políticos do Novo, elas são necessárias para que o partido seja competitivo frente aos concorrentes, que usam os recursos públicos à disposição. A retórica de ser uma sigla independente de dinheiro do contribuinte é avaliada agora como pouco atrativa ao eleitorado e um “erro de premissa”. Também se atribui o fraco desempenho em 2022 à polarização, que favoreceu o PL ante outros partidos de direita, e ao que é visto como erro de estratégia de não ter estimulado a expansão nacional após 2018. “O partido já sofreu muito com a dualidade PT-Bolsonaro. Não tínhamos como continuar sem usar esse dinheiro, sob pena de ver o Novo desaparecer”, diz o vice-governador de Minas, Mateus Simões. Para Amoêdo, porém, os diferenciais do Novo eram uma vantagem competitiva e o problema em 2022 foi a aproximação da sigla com o bolsonarismo — ele declarou voto em Lula no segundo turno. “O Novo se dizia independente, mas ficou independente só no discurso, com uma postura ligada ao bolsonarismo, um bolsonarismo genérico”, avalia.
As flexibilizações também têm como pano de fundo um possível voo nacional de Zema. Após a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, ele se tornou uma opção forte para a centro-direita por já estar no segundo mandato, ao contrário do governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos). O mineiro sempre teve reservas às limitações impostas pelo Novo. Costuma dizer que, com a proibição de doações empresariais em 2016, disputar eleições sem recursos públicos é como ir à guerra sem usar pólvora. Entre aliados, o discurso é o de que ele não vai sair do partido — é cortejado por siglas como PL e PP — e fala-se com muito cuidado sobre a disputa ao Planalto. “Qualquer projeto nacional passa por Minas dar certo. Se o nome do governador for o mais viável, ele não é homem de correr da raia”, diz o secretário da Casa Civil e articulador político de Zema, Marcelo Aro, que cita Ronaldo Caiado (GO), Eduardo Leite (RS), Ratinho Junior (PR) e Raquel Lyra (PE) como nomes fortes do mesmo espectro.
Políticos de outros partidos avaliam que, mineiramente, Zema adota a postura mais lógica porque a única explicação para admitir sair do Novo agora seria uma candidatura presidencial, e isso o colocaria na linha de tiro do PT três anos antes. Mas é preciso ver até onde o Novo poderá abrigar as pretensões de seu maior nome. Embora tenha feito ajustes, é um partido pequeno, com pouco dinheiro e sem direito a propaganda na TV e participação em debates, obstáculos expressivos em uma campanha nacional. E isso não é nenhuma novidade.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851