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“Precisamos de tensão pacificada entre os poderes”, diz Joaquim Falcão

Para jurista, a relação entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal não necessita de harmonia, mas sim de uma “política mútua de contenção”

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 jun 2020, 16h46 - Publicado em 22 jun 2020, 14h08

Em períodos de crise, os embates entre os poderes costumam se aflorar. Nos Estados Unidos, durante a Grande Depressão, o então presidente americano Franklin Roosevelt bateu de frente com a Suprema Corte dos Estados Unidos, que derrubou leis do programa de recuperação econômica conhecido como New Deal. Após a sua reeleição, em 1936, Roosevelt decidiu contra-atacar: sugeriu adicionar um juiz para cada magistrado da Suprema Corte que tivesse mais de 70 anos de idade. A ideia era nomear membros que fossem mais alinhados com o governo do partido Democrata. Nove ministros recuaram e mudaram o entendimento, numa manobra que ficou conhecida como “a mudança em tempo de salvar nove”.

No Brasil, a Constituição  consolidou tanto a separação entre as instituições como a composição do Supremo Tribunal Federal  — o que impede qualquer interferências como a que aconteceu nos Estados Unidos. Por isso, os embates entre o Executivo e o STF não devem ser vistos com tanta histeria, segundo o jurista Joaquim Falcão, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Segundo ele, a tensão é natural e até  saudável para a democracia. “Precisamos ter uma tensão pacificada entre os poderes. Se um ganhar, acabou a democracia”, afirma Falcão.

Na visão do jurista, nas próximas semanas deverão ocorrer estratégias de autocontenção entre o Executivo e o Judiciário. “O Brasil precisa deixar um pouco hipóteses de lado e tratar da realidade”, diz ele. A seguir, os principais trechos desta entrevista.

CONFLITO ENTRE OS PODERES
Em uma democracia há conflitos entre pessoas, sociedades, grupos, partidos e instituições. A diferença é que a democracia tem um método pacífico para resolver conflitos. Não temos que ter medo de embates. Temos que assegurar que as divergências sejam resolvidas de forma pacífica. Na relação entre os poderes, não precisamos de harmonia. Precisamos de tensão pacificada entre os poderes, que está presente em toda a nossa história. Por isso, precisamos de uma política de mútua contenção. Ou seja, o Supremo diz para o Executivo: “Contenho você, mas não lhe derroto”. E o Executivo fala para o Supremo: “Contenho você, mas não lhe derroto”. Na política constitucional, não pode ter um derrotado e um vitorioso, porque aí acaba a democracia. O que precisamos é de uma permanente tensão pacificada. Se um ganhar, acabou a democracia. Nos Estados Unidos está ocorrendo o mesmo. O presidente americano Donald Trump mede forças com o Congresso o tempo todo, e o Congresso mede força com Trump. Na gestão Obama também foi assim. O processo eleitoral democrático, por exemplo, é um processo de tensão: não se sabe nunca quem vai ganhar. Isso ocorre o tempo todo em países da Europa como Espanha e Portugal e na América Latina. O importante é não fechar as portas para os sucessivos acordos. A democracia é feita com portas abertas.

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JULGAMENTO DE CASSAÇÃO DA CHAPA BOLSONARO-MOURÃO
O ministro Luís Roberto Barroso (presidente do Tribunal Superior Eleitoral) não tomará uma decisão sem provas cabais suficientes e sem ser aprovadas por critérios internacionais. Acho que o Brasil precisa deixar um pouco hipóteses de lado e tratar da realidade. Não há risco de um golpe militar acontecer no país. Porque as forças Armadas, as instituições, o Supremo, sobretudo os bancos e os empresários, cuja importância é decisiva, não vão aceitar um golpe militar. O que deverá acontecer nas próximas semanas são estratégias de autocontenção, e não um cataclismo. As próprias Forças Armadas da ativa estão contendo os militares da reserva. O país está começando um momento propício de autocontenção dessas mútuas agressões.

“GOLPE CONSTITUCIONAL”

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Essa discussão sobre o artigo 142 da Constituição Federal, que alguns chamam de “golpe constitucional”, é inútil. É uma hipótese improvável. A Constituição Federal é clara: as Forças Armadas não são poder, mas sim uma instituição. A discussão que se esconde nisso é sobre o papel das Forças Armadas, que são três tipos: o da ativa, o da reserva que integra o governo Bolsonaro e o da reserva que está em casa. Quem desses três está construindo a imagem e tem o poder das Forças Armadas? Apesar de parecer uma resposta óbvia, não é tão óbvia assim para alguns. Porque quem toma as decisões pelas Forças Armadas é quem está na ativa. Não deveríamos aceitar essa pauta, porque ela não existe na realidade. Ela só existe em hipóteses aterrorizantes.

INCERTEZAS POLÍTICAS
Conversei com um colega meu da Universidade Harvard, um advogado americano em Washington, e ele me disse o seguinte: “O problema nos Estados Unidos é que o Trump não nomeia mais os agentes e os diretores das agências. Ele deixa tudo com o substituto, porque quando o Trump indica, o Congresso não confirma a nomeação. Com isso, você tem uma série de indecisões e incertezas no país”. Hoje, meu ver, o mundo vive uma institucionalização da incerteza. Não há nada mais poderoso do que você manejar a dúvida. Isso pode ser feito por qualquer um, seja pelo presidente da República ou pela oposição. Quem puder comandar a incerteza ganha no jogo político. O Bolsonaro diz uma coisa e depois volta atrás. O Supremo, quando pode, acalma e avança. O voto monocrático do ministro pode ser revisto pelo pleno. Com isso, o país para. Os investimentos param. A escola para. A cultura para. A consequência é incalculável. No momento, precisamos de mais certeza e segurança para enfrentar esta crise.

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