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Trechos inéditos de livros que estarão em breve nas prateleiras. Editado por Luísa Costa.
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Em seu romance de estreia, Teresa Driscoll vira o luto do avesso

'Um Diário para Melissa', da ex-âncora da BBC, chega às prateleiras brasileiras no dia 3 de julho

Por Luísa Costa 30 jun 2017, 15h52
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  • Romance de estreia de Teresa Driscoll, ex-apresentadora do Spotlight (BBC), Um Diário Para Melissa (Ed. Rocco, 320 págs., R$ 44,50) parece bem distante do caótico mundo dos noticiários. A premissa, contudo, é triste: aos 25 anos, Melissa recebe um diário escrito para ela por sua mãe Eleanor dezessete anos antes, ao descobrir que tinha câncer em estágio terminal.

    Mesmo assim, a atmosfera criada por Eleanor, com receitas da infância de sua filha (reproduzidas no livro, para leitores que se inspirarem a preparar um quitute entre um capítulo e outro), leva Melissa a um entendimento maior do que significou a sua perda em tão tenra idade. Um luto às avessas, tardio, que tenta adoçar as agruras da vida – tanto para a mãe que parte, quanto para a filha que fica. Simples e tocante, o livro chega às livrarias no dia 3 de julho.

    Confira o primeiro capítulo:

    “Melissa Dance tinha dois tiques. Quando estava sob extrema pressão, sua pálpebra direita tremia. O que, por sua vez, desencadeava o segundo tique, que era um movimento involuntário da cabeça — uma espécie de contração do queixo, que ela imaginava que, em um bom dia, distraía as pessoas da tolice na pálpebra.

    Mas aquele não era um bom dia. De forma alguma.

    — Está tudo bem, srta. Dance?

    Foi a caligrafia. Funcionou como um anestésico nos outros músculos do corpo dela naquele momento, assim, enquanto a pálpebra e o queixo continuavam naquele mundo enfurecido deles, a boca de Melissa — em agudo contraste — estava completamente paralisada.

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    O sr. Hall pigarreou antes de acrescentar que a cliente dele havia insistido que Melissa deveria ser tranquilizada naquele primeiro encontro de que o propósito do livro era ser um conforto. Uma mão amiga. Não tanto um livro de receitas em si, mas receitas para a vida. Havia cartas no livro. E fotografias também. Ela compreendia isso?

    Nada sairia dela.

    Melissa prendeu os cabelos em um rabo de cavalo, usando um elástico que pegou no bolso, enquanto do outro lado da mesa o homem alto e agora claramente constrangido, que se apresentara como James Hall, serviu um copo de água e empurrou-o, junto com o livro, até a beira da esplêndida extensão de mogno diante dela.

    Ele parecia estar olhando para o olho dela. Ou ela estaria imaginando isso? Então, de repente, ele se precipitou para a frente e começou a falar rápido demais sobre as instruções da cliente dele. Sobre como eram específicas. Que a cliente havia especificado que era esperado certo desconforto, mas que o dever dele, sob os termos do acordo, a senhorita compreende, era persuadi-la — a srta. Melissa Dance — a aceitar o livro. E a examiná-lo, por favor, no tempo dela. Sim?

    Aquelas foram as instruções bem específicas passadas a ele.

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    A pálpebra direita de Melissa ainda tremia. Ela ainda não conseguia falar.

    O sr. Hall pigarreou antes de acrescentar que a cliente dele havia insistido que Melissa deveria ser tranquilizada naquele primeiro encontro de que o propósito do livro era ser um conforto. Uma mão amiga. Não tanto um livro de receitas em si, mas receitas para a vida. Havia cartas no livro. E fotografias também. Ela compreendia isso?

    Melissa encarou novamente a capa. E se concentrou com tanta intensidade que os dois olhos — o que tremia e o que não tremia — agora estavam começando a lacrimejar.

    Era a caligrafia. A tinta preta.

    O título principal Receitas fora impresso em negrito, mas o nome dela havia sido acrescentado à mão… e Melissa reconhecera a letra no mesmo instante. Ela relanceou o olhar para o canto do escritório do sr. Hall e pôde vê-la sentada bem ali. Na velha escrivaninha no canto do quarto com uma caneta-tinteiro na mão. A letra linda e inclinada em tinta preta e brilhante.

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    … para Melissa.

    O sr. Hall ajeitou o corpo na cadeira e perguntou se ela gostaria que o livro fosse colocado de volta no envelope.

    Em sua mente, Melissa respondeu que não se importava, mas não tinha ideia se as palavras haviam saído de sua boca. Fosse como fosse, o sr. Hall colocou o livro de volta no envelope acolchoado e o entregou a ela.

    Ele claramente sabia de quem era o livro. E Melissa também.

    Era a letra inclinada e inesquecível da mãe dela.

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    A mãe que ela não via há 17 anos…

    Cupcakes da vovó

    4 onças* de farinha com fermento

    4 onças de manteiga

    4 onças de açúcar impalpável

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    2 ovos batidos

    Raspas da casca de uma laranja (crucial… lembra-se?)

    Preaqueça o forno a 180º . Bata a manteiga e o açúcar até obter um creme. Acrescente lentamente os ovos (em temperatura ambiente, ou eles irão talhar o creme!). Junte a farinha com delicadeza e, então, misture a raspa de laranja. Despeje nas formas de cupcake. Leve ao forno de 15 a 20 minutos. Receita da bisa… desculpe pelas medidas à moda antiga!

    (Lindamente coberto com glacê de cream cheese + um pedaço de morango ou mais raspas de laranja. Para o glacê: misture quantidades iguais de cream cheese e manteiga amolecida, então acrescente açúcar até que atinja o ponto certo de firmeza e doçura. Perdão por ser tão vaga.)

    Ah, minha menina querida. Você vai ficar chocada. Não é? No momento em que começo a copiar essa primeira receita e a separar a fotografia que a acompanha, posso sentir isso. Seu choque.

    Já andei de um lado para outro e agora há um cesto de lixo cheio de papéis amassados. Comecei a escrever vezes sem conta. Estou tão preocupada em fazer isso certo. Em colocar tudo do modo certo.

    Acabei em tal estado de nervosismo — verdade seja dita — que estou preocupada que esse não seja o dia certo para começar. Mas o que mais fazer? Tentar amanhã? Depois de amanhã?

    Quando eu fico nervosa assim, tenho esse tique muito irritante. Minha pálpebra treme. Sim, eu sei. É embaraçoso e muito esquisito. E está acontecendo nesse momento. Maldição, coisa idiota. Continuo com a intenção de ver um oftalmologista ou algo parecido. Seu pai insiste que não consegue perceber, que mais ninguém percebe, mas acho difícil de acreditar e esse negócio faz com que eu me sinta uma espécie de aberração. Entenda. Esse é exatamente o tipo de assunto sobre o qual eu teria conversado com você, deitada em uma cama, de adulta para adulta, se eu tivesse tido a chance. E é exatamente a razão para eu estar me dedicando a esse projeto.

    Então.

    Enfim.

    Desisti de jogar pedaços de papel no lixo. Decidi que chega de editar. Vou só… continuar. Vou escrever o que estou pensando… exatamente como surge na minha mente. Portanto, só o que posso fazer enquanto estou sentada aqui, preocupada com a possibilidade de estar começando isso no dia errado, é torcer, rezar e implorar a você, minha querida, que, por favor, por favor, respire fundo. Perdoe-me pelo choque, siga em frente — com a mente aberta — e tente entender por que esperei tanto tempo para falar com você dessa forma.

    Simplesmente não sei o que dizer para confortá-la a não ser que, pelo menos para mim, há uma boa razão para eu ter feito isso.

    Para ter esperado, quero dizer.

    A data que começo aqui é agosto de 1994. Você saberá melhor do que eu o que isso significa, respeitar o tempo certo das coisas, e devo lhe dizer, para ser justa, que seu pai e eu não concordamos totalmente com isso. Não estou me referindo ao livro porque ele não sabe sobre esse livro. Estou falando do resto.

    A essa altura, você não vai precisar que eu lhe diga o homem magnífico que ele é. Por isso não tenho o menor medo de deixá-la nas mãos maravilhosas dele. Mas seu pai também está em choque nesse momento, o pobre querido, e ainda não percebe que vai se sair muitíssimo bem sem mim.

    Ele quer que façamos todo aquele negócio de ‘caixa de memórias’. Quer que vejamos uma terapeuta qualquer. Algum grupo de apoio em um salão decorado com ursinhos e balões. E embora eu tenha consciência de que eles são especialistas nesses casos, e que são todos muitíssimo bem-intencionados, que estudaram para isso e tudo o mais, simplesmente sei que esse não é o melhor jeito para mim. E você vai entender no fim deste livro o quanto posso ser teimosa.

    O que decidi foi que não quero que você saiba nada de toda a merda em que se transformou a minha vida. Enquanto escrevo, agora, você está com oito anos — adormecida na cama na porta ao lado, usando pijamas de princesa, com uma fantasia de fada jogada no chão. Sinto muito, mas não posso fazer isso com você.

    Quero ter algum tempo com a minha menina querida — apenas um cantinho bonito da minha vida e da sua, no qual eu possa fingir que tudo está perfeitamente bem.

    Egoísmo da minha parte? É possível. É provável. Não tenho ideia do que você vai pensar. Mas teria mesmo sido menos doloroso se você soubesse? Se tivesse sido avisada?

    Max acha que sim. Talvez você também venha a achar.

    Nesse caso, pedir ‘desculpas’ não vai ajudar.

    Tudo o que posso lhe dizer é que tenho a forte intuição de que essa é a maneira certa para eu fazer isso. Não posso falar pelos outros e não quero criticar os grupos de apoio, nem as pessoas que aconselham a fazer de outro modo. Talvez eles estejam certos. Talvez não.

    Portanto, se eu estiver errada e você estiver muito zangada comigo, poderia por favor só me dar o benefício da dúvida e pelo menos caminhar comigo através dessas fotos e desses pensamentos? Se não agora, então em algum momento próximo?

    Por favor.

    Eu realmente avaliei a possibilidade de lhe contar. De tentar prepará-la só um pouco, mas, na noite passada, fiquei observando- -a enquanto você dormia — tão linda, tão calma — e pensei: do que adianta? Você vai ficar chocada, triste e com raiva, tenha sido preparada ou não. Do meu ponto de vista, contar a você só fará com que a tristeza comece mais cedo.

    Enfim. Agora está feito. É tarde demais.

    Assim, em vez de lhe contar, estou organizando esse livro. A minha ideia original era que fosse só de receitas, que foram passadas para mim pela minha própria mãe e pela minha avó e que quero muito passar para você. Não são assim tão especiais ou raras. São apenas receitas simples, consistentes, que preparei com a minha própria mãe, e ela com a dela — e que, espero, um dia, você possa preparar com seus próprios filhos. Você vai precisar anotar nelas as conversões das medidas. Sempre achei bonitinho deixá-las com ‘cara de antigamente’. Então, mais tarde, resolvi que seria interessante colocar em cada receita uma foto minha e sua cozinhando — e também compartilhar algumas ideias com você. Só coisas que talvez possam ajudá-la agora, que já é uma adulta. Muito bem. Respirar fundo.

    Acho que você pode tirar disso o que quiser. E vou confiar no meu instinto e começar com o conselho mais simples, mas o mais importante que posso lhe dar, minha menina querida.

    Vinte e cinco anos? Você deve estar se perguntando por que agora. Por que esperei tanto. Ah, minha querida… Cheguei a pensar nos marcos habituais de idade. Dezoito anos? Ou vinte e um? Então, me lembrei do estado em que eu estava quando tinha dezoito anos e como não me sentia nem um pouco adulta aos vinte e um.

    E a ideia desse projeto — o objetivo dele — é ser realmente franca com você, conversar de mulher para mulher.

    Assim, decidi escolher uma idade em que eu me senti realmente adulta. Vinte e cinco anos. A idade em que tive você, Melissa…

    Deus. Como eu gostaria de poder vê-la. Gostaria de ser só um pouquinho religiosa. Acreditar no paraíso. Em alguma coisa. Em qualquer coisa.

    Enfim. Seja como for. Tenho sido cuidadosa em relação aos detalhes, para o caso de você ter alguma dúvida. O plano é deixar esse livro aos cuidados de um advogado muito bom, que será instruído a verificar se você e seu pai estão bem antes de entregá-lo a você. Desse modo, posso escrever… sabendo que você só vai ler se vocês dois estiverem bem.

    Estou imaginando você com os cabelos mais curtos. Você os cortou? Secretamente espero que não, mas acho que, seja qual for o corte que use, vai ficar bem em você. Tem esse tipo de rosto.

    Ah, Deus. Já estou divagando.

    Então… sim. Escolhi vinte e cinco anos, Melissa. A idade em que nossa história começou. E a idade, eu espero, em que você vai estar realmente pronta para as coisas que preciso lhe dizer.

    Sinceridade de gente grande.

    Esquisito isso, não? De mulher para mulher, enquanto você dorme na porta ao lado. A perna pendurada para fora da cama, com Elizabeth nos braços. Você ainda a tem? Espero que sim. É uma boneca tão linda e você a adora.

    Nossa. Divago de novo. Desculpe…

    Concentre-se, Eleanor. Bem, qual é a primeira coisa… a primeira coisa realmente importante que preciso compartilhar com você? E agora isso me soou como pregação, e não é essa a intenção aqui. Ah, Melissa. É só que há todas essas coisas.

    Tantas. ‘Coisas.’

    Acho que você pode tirar disso o que quiser. E vou confiar no meu instinto e começar com o conselho mais simples, mas o mais importante que posso lhe dar, minha menina querida. Que é como cada único dia da minha vida, eu desejo mais do que qualquer coisa nesse planeta…”

    * Uma onça corresponde a 28,35 gramas. Em receitas, arredonda-se para 30 gramas.

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