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Queijo de 3500 anos: como múmias revelaram as origens do kefir

Genomas de lactobacilos encontrados em corpos da idade do bronze ampliam a compreensão da relação humana com os laticínios

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 set 2024, 22h33 - Publicado em 25 set 2024, 18h19

Cientistas chineses realizaram uma descoberta curiosa que contribui de forma inédita para a compreensão de nossa relação com os laticínios. O estudo, publicado na revista científica Cell, analisou o queijo kefir da Idade do Bronze encontrado em múmias do cemitério de Xiaohe, em Xinjiang, noroeste da China. Este é o laticínio fermentado mais antigo já registrado, datado de cerca de 3.500 anos atrás. Com essa análise, os cientistas não apenas conseguiram reconstruir o genoma da bactéria, mas também revelaram como ela evoluiu ao longo de milênios.

Além de aprofundar o conhecimento sobre as interações entre humanos e microrganismos no passado, o estudo revela como práticas culturais como a fermentação influenciaram a evolução bacteriana. Os pesquisadores também comprovam que a cultura de fermentação de laticínios se espalhou através das migrações e trocas entre antigas civilizações, desempenhando um papel crucial no intercâmbio cultural e tecnológico.

Low-Res_Tarim mummies from the present-day Xinjiang region of Northwestern China CREDIT Wenying Li
Múmias Tarim da atual região de Xinjiang, no noroeste da China, junto ao fermentado mais antigo do mundo – (Wenying Li/Divulgação)

A prática de fermentação de alimentos é uma das mais antigas da história humana, com registros que remontam a milênios. O leite fermentado, por exemplo, era consumido na Índia entre 6000 e 4000 a.C., enquanto populações mediterrâneas já produziam e consumiam queijo há mais de 7.000 anos. No entanto, o uso de microrganismos fermentativos e a transmissão cultural dessas técnicas ainda são pouco compreendidos. A pesquisa recente aborda justamente esses processos, oferecendo novas hipóteses para a evolução das bactérias fermentativas.

Uma Janela para o Passado Microbiano

A história desta descoberta começou há cerca de 20 anos, quando arqueólogos encontraram substâncias brancas grudadas nas cabeças e pescoços de múmias no cemitério de Xiaohe. Esses vestígios, datados da Idade do Bronze, apresentavam características de produtos lácteos fermentados, mas a tecnologia da época não permitiu sua identificação precisa. Com os recentes avanços no sequenciamento de DNA antigo, os cientistas finalmente puderam realizar análises detalhadas.

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Pesquisadores extraíram DNA mitocondrial das amostras, confirmando a presença de leite de vaca e cabra transformados em kefir. Contrariando a crença de que este produto lácteo tenha se originado exclusivamente nas montanhas do Cáucaso, na Rússia, os dados coletados sugerem que a cultura de fermentação por meio do kefir já existia na região de Xinjiang há milênios, apontando que as técnicas de fermentação provavelmente foram aprendidas com povos da Eurásia.

Conexões Culturais e Evolutivas

Os pesquisadores identificaram que as cepas de Lactobacillus kefiranofaciens presentes no queijo pertenciam a dois grupos principais: um que se espalhou da Europa para as áreas costeiras da Ásia, e outro que predominava no interior do Leste Asiático. Essa descoberta sugere que o kefir se espalhou por diferentes rotas, influenciando a evolução das bactérias fermentativas à medida que as populações humanas interagiam e trocavam conhecimentos.

A análise comparativa dos genomas das bactérias da Idade do Bronze com suas versões modernas revelou três principais trajetórias evolutivas: adaptação a condições ambientais adversas, fortalecimento dos mecanismos de defesa do genoma e interação com o intestino humano. No Tibete, por exemplo, cepas modernas desenvolveram genes que auxiliam na redução da inflamação intestinal, provavelmente uma adaptação decorrente de sua longa convivência com humanos. Nosso amor pelos queijos, percebemos, tem um longo legado histórico. 

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