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A jornada da berinjela

De planta temida a iguaria culinária

Por Lucília Diniz
12 set 2024, 18h10

Quando alguma antepassada selvagem da berinjela, vinda do Sudeste Asiático, chegou à Índia, a recepção que teve não foi lá muito boa. Quem sabe tenha sido pelas características pouco amáveis do vegetal cru – certo amargor, uma consistência esponjosa. O fato é que vingou entre os locais a ideia de que aquela planta não devia ser comida.
De um jeito ou de outro, agricultores indianos se dedicaram a domesticá-la; seu cultivo se estabeleceu ao redor do século 5º da era cristã. Mas a desconfiança inicial ficou gravada para sempre no nome que lhe deram. “Vatingana”, a palavra em sânscrito para berinjela, quer dizer “da classe do ar” – e, para eles, o ar era associado à loucura.
Mesmo se no começo achavam que ela deixava as pessoas meio “cabeça de vento”, os praticantes da ayurveda acabaram reconhecendo suas qualidades para a saúde – assim como a medicina tradicional da China, onde a berinjela também se desenvolveu.
Nos dois países, acreditava-se que ela purificava o sangue e ajudava a fertilidade. Descobriram também que, cozida, ela não era amarga, o que abriu passo para ela ser explorada também na culinária.
Na Índia, era e ainda é consumida em curries. Já uma tradição chinesa antiga dizia que, antes de se casar, a noiva devia preparar 12 receitas diferentes com o vegetal – que por lá se popularizou em pratos fritos e ensopados.
Ao chegar ao Oriente Médio, foi transformada em pastas como o babaganuche, que todos aqui conhecemos dos restaurantes árabes. Na bagagem destes que a berinjela viajou para a Europa, no movimento da expansão islâmica. A Espanha, duradoura sede do Império Muçulmano, foi um dos primeiros países europeus a adotá-la à mesa, no século 8º.
Os italianos também a acolheram e assim ela foi se espalhando, ainda cercada de algum receio, por outros países do continente. O temor vinha de seu parentesco com a beladona, que pode intoxicar. Ambas são da família das solanáceas (que engloba muitos outros alimentos básicos, como o tomate e a batata).
A relação com venenos e outros riscos foi se diluindo conforme se traduziu o nome de origem. “Vatingana” deu no árabe “al-badingan”, que em espanhol virou “berenjena” e, em francês, “aubergine”, um dos ingredientes de base do ratatouille. Como “berinjela” viajou de volta para a Índia, na época das navegações, quando os portugueses lá chegaram, ganhando o novo nome de “brinjal”.
Os italianos, que com ela fazem massas preparadas “alla norma” e pratos à parmegiana, a chamaram “melanzana”. Mas em algum momento da Idade Média se lembraram das crendices antigas e cunhou-se a falsa etimologia que dizia que o nome era a fusão de “mela”, ou seja, “maçã”, e “insana”. Na Grécia, é parecido: com “melitzána” se prepara a famosa moussaka.
Só quando cruzou o Atlântico para a América do Norte deixou para trás a pecha de maluca: para os americanos, ela é “eggplant”, “planta-ovo”. Isso porque a variedade que primeiro se firmou por lá era branca, oval e pequena. No Reino Unido, contudo, usa-se “aubergine”, como do outro lado do Canal da Mancha. Loucura seria não adotá-la. Tem as fibras e as vitaminas que fazem dos vegetais grandes aliados de sempre. Mas, além disso, é também pouco calórica – desde que preparada de maneira adequada.

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