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Coluna da Lucilia

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Esquinas gastronômicas

Os pontos de encontro despertam memórias afetivas

Por Lucilia Diniz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h44 - Publicado em 10 jun 2022, 06h00

Esquinas são mais do que pontos de encontro de ruas. São pontos de encontro de pessoas. Não sei exatamente por que, mas o fato é que, tendo a opção, as pessoas em geral preferem as esquinas, e não outro ponto qualquer de uma via pública. Talvez seja pelo charme de serem únicas. Uma rua pode ter dezenas de bons endereços, mas apenas num determinado ponto ela cruza com outra rua específica. Talvez seja por oferecerem uma perspectiva ampliada a quem observa os arredores a partir do cruzamento. Numa esquina qualquer, tem-se vista para os quatro pontos cardeais. Ou talvez seja apenas porque alguns entre os melhores bares e restaurantes do mundo tenham escolhido se instalar em esquinas.

Em São Paulo, tenho saudades da Mercearia São Roque, na Rua Amauri, esquina com a Emanuel Kant, na região dos Jardins. Com seus clássicos drinques e seu bolinho de arroz, explorava o melhor da cozinha brasileira, simples e criativa. Meu marido e eu costumávamos passar lá nos fins de semana para, nas mesas ao ar livre, repor as energias após caminhadas pela região.

“Uma rua pode ter bons endereços, mas apenas num determinado ponto cruza com outra rua específica”

Luiz e eu somos caçadores de esquinas gastronômicas. Em Barcelona, descobrimos o Senyor Vermut, bar acolhedor na Carrer de Provença com a Viladomat. Comida mediterrânea, tapas e a mítica batata brava — que os espanhóis chamam apenas de “bravas” —, além de uma infinidade de opções de vermutes que fazem jus ao nome da casa. Em Paris, uma esquina a ser revisitada é a da Avenida Montaigne com a Rua François Premier, o endereço do clássico L’Avenue. O chef Alex Denis bem que tenta inovar, mas os clientes exigem que ele mantenha no cardápio pratos inesquecíveis como o tigre qui pleure, escalopes mal passados com molho picante tailandês, uma delícia da cozinha asiática.

As confeitarias de Portugal são obrigatórias num roteiro de esquinas. A Alcôa, em pleno Chiado, levou para Lisboa a tradição dos monges de Cister, da região de Alcobaça. O difícil é escolher: broas de gema, toucinhos do céu, pastéis de nata. Pedimos encharcadas — e não nos arrependemos. Em Amarante, no distrito do Porto, um café que pede uma visita sem pressa também fica numa esquina, em frente à igreja matriz, antigo convento dominicano de São Gonçalo, onde se fazem os tradicionais colhões, doces em homenagem ao patrono da fertilidade. O santo, aliás, é um casamenteiro tão eficiente, dizem, quanto Santo Antônio, com a diferença que é especializado em aproximar pessoas mais velhas.

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Essas esquinas todas voltaram a povoar minhas memórias afetivas por causa do Esquina Bianchetti, um aconchegante restaurante familiar de Bagé, onde meu marido jantou anos a fio, quando o trabalho o levava para a Rainha da Fronteira, como é chamada a cidade do Rio Grande do Sul pertinho do Uruguai. Estivemos lá recentemente, para o lançamento do livro de crônicas A Minha Esquina, de Gerson Barreto de Oliveira. No prefácio, Luiz anota que o segredo da casa é a maneira como a família harmoniza o aroma da cozinha, onde a mãe do autor assava madeleines, com a atmosfera do salão, onde seu pai brindava os clientes com árias de Maria Callas tocadas em fita cassete.

As “minhas esquinas” não têm dono — são de quem nelas se sentir em casa.

Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793

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