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Fruto da paciência

Tempo deu ao abacate um lugar que ele nem sempre teve

Por Lucilia Diniz
24 out 2024, 18h12

Quem visita o Palácio Nacional, sede do governo federal do México, encontra um colorido mural revestindo de alto a baixo as paredes de uma grande escadaria. Em um canto dessa monumental “Epopeia do Povo Mexicano”, Diego Rivera pintou uma lista daquilo que “o mundo deve ao México”. Lá, ao lado do milho, do cacau e do tomate, está o abacate.

Mais de 5.000 anos antes de Cristo, maias e astecas já cultivavam o “ahuacatl”, de onde vem o espanhol “aguacate” – o fruto foi mencionado em crônicas hispânicas pela primeira vez em 1519, quando as tropas de Hernán Cortés tomavam as terras dessas antigas civilizações. Os espanhóis foram os responsáveis por espalhar, nos séculos seguintes, a textura cremosa e o sabor peculiar do abacate por outras terras tropicais conquistadas.

Em toda parte, o abacate foi usado em pastas salgadas, como o tradicional guacamole, em acompanhamentos de sanduíches, sopas, ovos e torradas ou como ingredientes de saladas. Só no Brasil a história ganhou contornos adocicados. Quem por aqui não se lembra do clássico abacate batido da infância?

Essa escolha tem a ver com o fato de que a variedade brasileira é menos firme e de gosto mais suave, com menos personalidade para ser destaque, digamos. E, se ao natural ele já é calórico, torná-lo sobremesa certamente não colaborou para sua fama de inimigo da boa forma. Eu mesma demorei muito para passar a testá-lo em minha dieta.

Mas estudos nutricionais, de um lado, e a globalização dos hábitos alimentares, de outro, contribuíram para essa visão mudar. O abacate é, sim, gorduroso. Porém sua gordura é do tipo associado à proteção cardiovascular, fazendo com que passasse a ter os benefícios à saúde postos na balança, em contraposição às suas muitas calorias.

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Com tudo isso, o tipo “hass”, pequeno e resistente, passou a ser comum nos supermercados do mundo todo e mesmo aqui vem ganhando destaque em preparos salgados. As “avocado toasts” se tornaram tão populares entre as novas gerações que viraram piada econômica, segundo a qual seu custo em “brunches” descolados impediria os millennials de poupar para a casa própria.

Gracejos à parte, há um lado sério na difusão recente do fruto. O México responde por cerca de 30% da produção global, sendo seu maior exportador. Isso traz benefícios, mas também ameaças. Esse cultivo exige alto consumo de água, dado preocupante em um país com escassez hídrica. No estado de Michoacán, onde a cultura do abacate é abundante, tem-se notado redução de lençóis freáticos, além de desmatamento.

No Brasil, a escala é bem diferente. Colhemos um décimo da produção mexicana e pouco exportamos. Assim, as preocupações ainda são de outra ordem. Abacateiros crescem em quintais e calçadas, o que faz com que às vezes sejam vistos como praga em áreas urbanas, sobretudo por quem estaciona na rua.

Nossa relação singular com o abacate, que demora de três a quatro anos para frutificar, talvez explique por que ele se tornou uma metáfora do tempo e da paciência nos versos de Refazenda, de Gilberto Gil: “Aguardaremos, brincaremos no regato/ Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração”. Enquanto eles não vêm, canta Gil, “amanhecerá tomate e anoitecerá mamão”. Se observarmos esse ritmo natural, podemos consumir o abacate de forma moderada, que faz bem à saúde e não sobrecarrega o ambiente.

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