Prenda-me se for capaz: a ameaça de Ozempic e Mounjaro falsificados
Alta na venda de remédios para obesidade manipulados e falsificados é preocupante em todos os sentidos

Faz tempo que alguns dos filmes de maior bilheteria do cinema são protagonizados por artimanhas de enganação, zombaria, roubo e ostentação, e os espectadores, inexplicavelmente, acabam apreciando a história e torcendo pelos bandidos. Traçando uma analogia entre ficção e vida real, com a chegada das novas medicações para o tratamento da obesidade e do diabetes, podemos ver esses personagens ludibriantes e criminosos brilhando em outra tela, a do celular.
As famosas canetinhas de emagrecimento, apesar de caras e algumas nem disponíveis em nosso país, foram, sem dúvida, um grande avanço para o controle dessas doenças e, quando usadas de forma correta, trazem enorme benefício para o paciente e a população.
Porém, assim como em filmes como Prenda-me se for capaz, profissionais estão se disfarçando de especialistas e se aproveitando da demanda enorme para mascarar soluções e ganhar dinheiro fácil. O que vemos por aí são médicos sem formação adequada, biomédicos, dentistas, esteticistas e até gente sem nenhuma formação na área se achando no direito de participar desse enredo. E, como atores coadjuvantes, temos contrabandistas e falsificadores.
Que fique claro: todas as medicações para obesidade e diabetes de nova geração – Ozempic, Wegovy, Rybelsus e Mounjaro – estão sob patente. Portanto, ninguém, além dos laboratórios que inventaram os produtos, pode comercializá-los.
Não existem, ou pelo menos não deveriam existir, fórmulas e medicações manipuladas, ou qualquer tipo de genérico, para substituir o produto original. Esse é roteiro regulatório correto e esperado.
Porém, nessa comédia, ou melhor, filme de terror, supostos especialistas utilizam a internet e o pano de fundo de seus belos consultórios para divulgar, prescrever e aplicar medicamentos falsos.
Preços altos, mas parcelados, consultórios sofisticados e aconchegantes, paredes recheadas de títulos falsos ou não reconhecidos. Esses são os novos cenários em que tais personagens entram em ação.
Na trama muito bem interpretada por Leonardo Di Caprio, ele se disfarça de vários profissionais e falsifica cheques, lesando financeiramente o sistema. No caso das canetas para perda de peso, dinheiro e saúde estão em jogo.
E olha que muitos desses profissionais têm interpretações dignas de Oscar: inventam especialidades, mudam de estado, fazem o que for preciso para que os pacientes os idolatrem e os curtam.
Como é o script dessa turma de jaleco baseada em pseudociência?
Cena 1: um profissional de saúde sentado em seu consultório prescreve uma receita de uma medicação sabidamente falsa/ manipulada e conduz seu paciente a uma sala de aplicação. O paciente sai feliz, pois conseguiu pagar. Está em um ambiente climatizado e perfumado.
Cena 2: emagrecer necessita de cuidados extras. Novamente na clínica é aplicado o soro colorido de vitaminas com a promessa de repor o que se está perdendo.
Cena 3: ora, o paciente perdeu massa magra. É preciso revitalizá-lo com um chip de anabolizantes e testosterona.
Cena 4: o cliente parece ótimo. Emagreceu e definiu sua massa corporal. Adora ainda mais o profissional.
As cenas dos próximos capítulos, no entanto, podem conter problemas cardíacos, neurológicos, renais, cânceres e até morte. As saídas de emergência nem sempre funcionam.
Em um universo da arte e ficção, a imaginação e o conteúdo são livres, mas, quando falamos de seres humanos, a ética e a honestidade são fundamentos essenciais. Falsificar, contrabandear e enganar não podem fazer parte do roteiro.
Voltando ao filme do título, o personagem de Di Caprio é preso e, com seus conhecimentos de falsário, ajuda o FBI a prender outros como ele. No filme das canetas, mesmo que os enganadores sejam presos, em nada poderão contribuir com a medicina, porque dela nada entendem.