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Os descobridores do Japão

A presença dos portugueses, nos séculos XVI e XVII, deixou muitas contribuições, inclusive uma receita de pão de ló

Por J.A. Dias Lopes
7 ago 2018, 18h11
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  • No mesmo século em que iniciaram a colonização do Brasil, os portugueses “descobriram” o Japão – um arquipélago composto por 6.852 ilhas, na Ásia. Chegaram para trocar bens comerciais e converter a população xintoísta e budista ao catolicismo. Foram os primeiros europeus a alcançar a Terra do Sol Nascente – batizada assim pelos chineses porque, quando eles se voltavam para o leste, na localização do Japão, olhavam na direção do amanhecer.

    O desembarque dos portugueses aconteceu a 23 de setembro de 1543, em Tanegashima, a maior ilha do sul do arquipélago. O grupo de forasteiros havia trocado sua caravela, na costa da China, por um junco. Desnorteada por uma tempestade de verão e balançando no mar como uma folha de árvore, a embarcação asiática alcançou Tanegashima.

    Estavam a bordo os navegadores António Mota, António Peixoto, Francisco Zeimoto e provavelmente Fernão Mendes Pinto. Passado o espanto inicial, os habitantes de Tanegashima os receberam calorosamente. Os japoneses nunca tinham visto pessoas de olhos redondos, narizes compridos e cabelos castanhos. Também se divertiram com as calças bufantes dos forasteiros, na moda em Portugal.

    Fascinaram-se com os relatos de terras longínquas e costumes tão diferentes que ouviram dos lusitanos. E, sobretudo, com suas armas de fogo, que desconheciam, pois seus guerreiros viviam na era da espada. Eram arcabuzes logo batizados com o nome da cidade Tanegashima.

    Um dos navegadores, Zeimoto, presenteou sua arma ao governador da ilha. Além disso, revelou-lhe o segredo da fabricação da pólvora. Foi tamanho o sucesso do arcabuz, arma de fogo portátil, de cano curto e largo, que em meio ano os artesãos metalúrgicos de Tanegashima haviam fabricado seiscentos iguais. História parecida se repetiu com o canhão.

    Até então, os dois povos praticamente se desconheciam. Os japoneses viviam isolados do mundo e ignoravam a existência da Europa. Só tinham algum contato com a China e a Coréia. Na verdade, porém, os europeus já tinham ouvido falar vagamente do Japão.

    No século XIII, o mercador e explorador veneziano Marco Polo, maior viajante da Idade Média, afirmou em “Il Milione” ou “Livro das Maravilhas”, ditado por ele a um amigo, no regresso à terra natal, que existia perto da China uma ilha chamada Cipango.

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    Localizava-se no Mar da China, a 1.500 milhas da costa e era habitada por “indígenas brancos, de boas maneiras e formosos; são idólatras e livres, têm um rei próprio, que não é tributário de nenhum outro; e dispõem de ouro em abundância”. Essas revelações, porém, pareceram imaginosas demais.

    Quando voltou a Portugal, o grupo pioneiros contou com alarde a visita ao Japão. Sua ousadia entusiasmou Jorge Álvares, outro explorador lusitano – o primeiro europeu a aportar na China, em 1513 – a imitar o trio. Ele também esteve no Japão, em 1547, de onde regressou trazendo um rapaz chamado Anjiró (ou seria Ângelo?).

    Na escala em Malaca, na atual Malásia, onde funcionava um entreposto lusitano, Jorge Álvares o apresentou ao padre jesuíta espanhol Francisco Xavier, co-fundador da Companhia de Jesus e futuro santo católico. D. João III, o rei de Portugal que iniciou a colonização do Brasil pelo sistema de capitanias hereditárias, incumbira o sacerdote de chefiar os religiosos nas expedições ao Oriente.

    O encontro teve resultado histórico. Francisco Xavier converteu Anjiró e o batizou. Também aprendeu muito com ele. Anjiró descreveu ao jesuíta os costumes e a religião de seu povo. Francisco Xavier anotou as informações e as enviou à Europa, onde circularam de mão em mão. Depois, zarpou para o Japão, acompanhado de Anjiró, de outro japonês e dois jesuítas.

    Em 1549, o grupo aportou em Kagoshima, no extremo sul do país. Começou a evangelizar a população local autorizado pelo seu daimio, o poderoso príncipe feudal, senhor de terras no Japão pré-moderno. O arquipélago carecia de unidade política. Os vários daimios guerreavam entre si e com exércitos de samurais

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    O fracionamento do poder favoreceu a entrada dos estrangeiros lusitanos. Mas, paradoxalmente, eles contribuíram para a própria expulsão. Em 1614, o Japão proibiu o cristianismo e, em 1639, as relações entre o arquipélago e Portugal foram cortadas. Passou a vigorar um conjunto de leis chamado de sakoku, a política de fechamento.

    Detalhe de outro biombo: o barco negro lusitano encantou os japoneses e se tornou uma das imagens mais representadas das suas pinturas nos séculos XVI e XVII
    Detalhe de outro biombo: o barco negro lusitano encantou os japoneses e se tornou uma das imagens mais representadas das suas pinturas nos séculos XVI e XVII (Wikimedia Commons/Reprodução)

    Graças aos instrumentos marciais assimilados dos lusitanos, o daimio Oda Nobunaga derrotou os rivais e unificou um terço do país. Fortalecido, o governo passou a desconfiar da presença dos estrangeiros. Movido por questões religiosas, políticas e econômicas, catapultou-os do arquipélago.

    Francisco Xavier enfrentou dificuldades no trabalho evangelizador – ele também esteve em Hirado, Yamaguchi, Sakai e Kyoto. Os japoneses vestiam roupas coloridas, cada tom com um significado diferente. Por isso, não entendiam porque os religiosos usavam batinas pretas. Para completar, ridicularizavam os estrangeiros quando pronunciavam mal as palavras da sua língua.

    Convicto da transcendência de seu apostolado, Francisco Xavier se adaptou à cultura dos japoneses. Vestiu-se como eles, aprendeu a falar com fluência a língua local e respeitou as regras de convívio social. Parou de comer carne, como os líderes xintoístas e budistas japoneses, que eram vegetarianos.

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    Avançando na catequese, os jesuítas precisaram recorrer à mão-de-obra autóctone para compensar a falta de missionários. Treinaram os dojikus, catequistas que os ajudavam na evangelização. Acabaram criando uma elite intelectual ocidentalizada. Em 1552, os jesuítas já haviam convertido três daimios, que enviaram seus filhos e netos para colégios católicos.

    Crianças e jovens aprendiam catecismo, português e latim. Então, outras ordens religiosas se sentiram atraídas pelo Japão. Em 1583, quatro frades franciscanos quebraram o monopólio jesuíta; em 1592, foi a vez do primeiro sacerdote dominicano.

    Os portugueses concentraram sua presença em Nagasaki, também no sul do Japão, uma pequena aldeia de pescadores onde fundaram em 1571 um importante porto comercial, que se tornaria rapidamente próspera cidade. Seu daimio, Omura Sumitada, converteu-se ao catolicismo e autorizou a construção de uma igreja.

    Nos primeiros tempos, um barco negro dos portugueses aparecia uma vez por ano em Nagasaki. Tratava-se na verdade de uma carraca, embarcação utilizada no transporte de mercadorias e amplamente citada em documentos da época. Levava sedas, lacas, chumbo e ouro da China.

    Também descarregava produtos de outros continentes: relógios europeus, tapetes orientais e fumo em corda. Zarpava com prata, ouro, cobre, peças de decoração e escravos. O barco negro acabou substituído por flotilhas de galeotas, mais rápidas e seguras. Entretanto, o fascínio exercido sobre a população autóctone ficou para sempre.

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    Os japoneses chamaram os recém-chegados de nanban, que significa bárbaros do sul. O apelido se deveu ao fato dos forasteiros terem aportado na região austral. O intercâmbio cultural entre os dois povos criou uma arte com o nome de nanban, desenvolvida entre os séculos XVI e XVII. Suas peças remanescentes mais preciosas, expostas no Museu da Cidade de Kobe, no Japão, e no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, são lindos biombos articulados e decorados.

    Dotados de uma estrutura leve de madeira, arrematados por fina moldura em laca, coberta por sucessivas folhas de papel, têm um fundo de folha de ouro. Exibem pinturas delicadas, que reproduzem cenas da presença portuguesa. Um dos temas recorrentes é justamente o barco negro lusitano.

    O fato é que, até pela amplitude da sua difusão, os símbolos mais conhecidos da presença dos portugueses no Japão são duas receitas de cozinha. A primeira é o tempura, no qual peixes, camarão, moluscos, legumes e verduras são empanados e fritos no óleo. Surgiu por imitação do prato que os jesuítas e católicos leigos comiam nas têmporas, período de abstinência de carne.

    A outra receita é um bolo de olhos puxados: o kasutera. Descende do pão de ló dos portugueses. A palavra veio de castella, designação do bolo na época. Como habitualmente acontece com tudo o que os japoneses absorvem de fora e reinterpretam, supera o original estrangeiro em finesse.

    A receita portuguesa incorporou ingredientes como chá verde em pó (matchá), essência de baunilha e cremor tártaro (substituído no Brasil pelo fermento em pó). Quem achar estranho o nome kasutera deve levar em conta que, apesar de estarmos acostumados com ele, o vocábulo pão de ló também soa curioso.

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    O português ou brasileiro que for ao Japão e não tiver a menor ideia do que seja sushi, sashimi, missoshiro e sukiaki estranhará a comida. Mas, ao morder uma fatia de pão de ló, vai se sentir um pouco em casa. Se a experiência acontecer em Nagasaki, melhor ainda.

    Famosa como cenário da ópera “Madame Butterfly”, de Giacomo Puccini, e também por ter sido alvo de uma bomba atômica lançada pelos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial, a cidade se notabiliza pelo preparo do kasutera. Ali, o bolo de olhos puxados é consumido no fim de ano em uma festa assinalada por desfile que inclui réplicas de caravelas portuguesas e, obviamente, do barco negro. Banzai!

    KASUTERA

    (Pão de ló japonês)

    Rende cerca de 10 porções

    INGREDIENTES

    .1 xícara (chá) de açúcar

    .1 colher (sopa) cheia de mel

    .1 colher (chá) de extrato de baunilha

    .1 colher (sopa) bem rasa de chá verde em pó (matchá). Adquira em lojas de produtos asiáticos, ou substitua por uma colher de chá de extrato de limão

    .8 ovos grandes (separe as gemas das claras)

    .1 xícara (chá) de farinha de trigo peneirada

    .1/4 de colher (chá) de sal

    .1 colher (sopa) de açúcar (para misturar com o fermento em pó)

    .1 colher (chá) de fermento em pó

    . Manteiga para untar

    PREPARO

    1. Coloque papel-manteiga na base de uma fôrma de fundo removível e unte o papel com manteiga.

    2. Em uma tigela, misture uma xícara de açúcar, o mel, a baunilha, o chá verde (ou o extrato de limão) e as gemas.

    3. Coloque a tigela em uma panela grande, com água quente e leve ao fogo baixo, em banho-maria, de maneira que a tigela não encoste diretamente no fogo e bata por 1 minuto, com a batedeira em velocidade média, até a mistura ficar esbranquiçada e morna. Cuide para não aquecer demais, para as gemas não cozinharem.

    4. Retire do banho-maria e bata por mais 5 minutos, até a massa dobrar de volume e ficar com uma consistência aveludada. Diminua para a velocidade mínima e vá juntando, com cuidado, um terço da farinha de trigo, sem parar de bater. Reserve.

    5. Em outra tigela, bata as claras em neve, na batedeira, com o sal, em velocidade baixa, por 1 minuto. Aumente para a velocidade média/alta e, quando a mistura ficar bem espumosa, junte delicadamente uma colher de açúcar misturada ao fermento em pó. Bata até firmar, mas sem deixar muito duro.

    6. Agregue, então, essas claras batidas à mistura de gemas (que estava reservada), em três vezes , em movimentos delicados, de baixo para cima, intercalando com a farinha de trigo que sobrou.

    7. Disponha a massa na fôrma e dê batidinhas na base para remover as bolhas de ar. Coloque na grade do forno preaquecido a 180ºC e asse por cerca de 35 a 45 minutos, aproximadamente, até o bolo ficar bem dourado e as laterais se desprenderem levemente da fôrma.

    8. Retire do forno, deixe esfriar por cerca de 20 minutos e desenforme cuidadosamente. Descarte o papel-manteiga e sirva frio.

    Receita preparada pela chef Lúcia Sequerra, de São Paulo, SP.

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