Os portugueses são muito orgulhosos dos seus doces. Com os turistas que chegam por lá, eles insistem que cada iguaria deve ser comida em seu lugar de origem. O pastel de Belém perto do Monastério de São Jerônimo, no bairro de Belém, em Lisboa. O de Santa Clara, em Coimbra. E por aí vai.
Que ninguém diga para eles que, apesar de maravilhosos, são muito parecidos. Quase todos trazem como ingredientes principais gema de ovo, farinha e açúcar. Às vezes, com um pouco de amêndoas ou frutas cristalizadas.
A razão para isso é que os doces portugueses que ficaram famosos são aquilo que se chama de doçaria conventual. Eram elaborados por freiras e monges em conventos.
Os primeiros doces conventuais portugueses, chamados “fartéis” chegaram ao Brasil nas caravelas, mas foram recusados pelos índios. Assim a cena é relatada por Pero Vaz Caminha:
“Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora”.
O sucesso dos doces só aconteceu vários anos depois. “Foi com a instalação da família real no Rio de Janeiro que a doçaria conventual se desenvolveu no Brasil”, diz o gastrônomo português Virgílio Nogueiro Gomes, que dá aulas de história da alimentação e é autor do Dicionário Prático da Cozinha Portuguesa.
Os doces, antigamente, eram feitos com mel. Quando teve início a exportação de açúcar do Brasil, no século XVI, a cozinha nos conventos de Portugal se transformou.
“A gema de ovo passou a ser muito usada porque dá uma consistência mais delicada aos doces. A clara, por sua vez, podia provocar defeitos e tinha outros fins. Era utilizada para engomar parte das vestimentas das religiosas e para clarificar o vinho“, diz Gomes.
De início, os doces conventuais só eram provados pelos que viviam nos conventos. Mas isso mudou com o tempo. “Em tempos de crise, eles passaram a ser vendidos fora dos conventos pelas freiras, como forma de sustento. Quando eles pularam o muro dessas instituições, conquistaram o mundo”, diz Luis Santos, português e consultor do Arte Conventual, no Rio de Janeiro.
Nos conventos, além das mulheres que tinham optado por viver nessas instituições para se dedicar à fé, os conventos também recebiam as mais abastadas que não tinham se casado. Elas se mudaram para esses lugares com suas criadas, as quais também foram importantes para ajudar a desenvolver essa culinária.
Sobre a ausência de chocolate nas receitas, diz o gastrônomo Virgílio Gomes:
“Não há chocolate na doçaria conventual portuguesa porque foram os espanhóis que levaram o cacau do México para a Europa. Eles boicotaram o acesso de Portugal ao cacau da mesma forma que os portugueses não comercializaram pimentas e cravinho com os espanhóis. Quando as relações entre os dois países foram normalizadas, em meados do século XIX, as ordens religiosas já tinham sido extintas. Aí, a criatividade da doçaria conventual já tinha acabado”.