A batalha de togas no Supremo sobre a tentativa de golpe
André Mendonça e Nunes Marques confrontam Alexandre de Moraes. Irônico, Mendonça diz que vive dilema: aderir ou não à teoria do Direito Penal do "inimigo"
Sem estridências, começou uma batalha de togas no julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a tentativa de golpe de estado no 8 de janeiro.
Na primeira fase, a maioria (sete) dos juízes seguiu o relator do caso, Alexandre de Moraes, e aceitou a denúncia contra cem pessoas acusadas por crimes contra a Constituição e a democracia — como planejar, instigar e executar invasões às sedes do STF, do Congresso e ao Palácio do Planalto.
Dois juízes, André Mendonça e Nunes Marques, votaram pela rejeição das denúncias por considerá-las absolutamente inviáveis, ineptas na forma e no conteúdo, por entenderem que não existem fundamento nas acusações.
Na madrugada desta terça-feira (25) começou a segunda etapa do julgamento virtual.
Agora são 200 pessoas denunciadas pelo Ministério Público por crimes mais graves — como tentativa de golpe de estado com violência, ameaça, danos ao patrimônio histórico e bens da União.
Até 2 de maio define-se a aceitação, ou não, dessas duas centenas de denúncias. A tendência é a repetição do placar da primeira leva, com oito votos a integralmente a favor.
Mendonça e Nunes Marques já votaram: aceitam as denúncias pelos crimes, mas fazem ressalvas. Principalmente, sobre a competência do Supremo para julgar pessoas que não possuem foro privilegiado — vantagem restrita a grupo de cerca de 30 mil agentes públicos, com ou sem mandato.
Com esse argumento confrontam a essência da tese apresentada por Moraes que legitima o julgamento no STF: a da comprovação (“evidente conexão”) entre as condutas das pessoas denunciadas e as de quatorze parlamentares federais — entre eles dois filhos de Jair Bolsonaro — que listou como acusados em cinco inquéritos no Supremo.
As provas, segundo o juiz-relator do caso, mostram que todos estão envolvidos na tentativa de golpe de estado.
Nunes Marques e Mendonça votaram demonstrando dúvidas sobre essa vinculação dos militantes bolsonaristas radicais com parlamentares alinhados a Bolsonaro. Tudo indica que devem avançar na divergência até a etapa final do julgamento.
A uma plateia de adotados paulistas, na segunda-feira (24), Mendonça falou sobre o julgamento com alguma ironia. Referiu-se à teoria do Direito Penal do “inimigo”, desenvolvida pelo alemão alemão Gunther Jakobs, sobre a segregação social, com restrições aos direitos fundamentais, de quem o Estado classifica como “inimigo”.
Ele se antevê num impasse: “Não necessariamente agora no ambiente da denúncia, mas em algum momento do julgamento dos casos, se eu aplico essa corrente mais garantista ou se eu entro em uma vertente que se concebe, teoricamente, como Direito Penal do Inimigo… É um dilema porque eu serei cobrado para aplicar a Justiça. E quais contornos vão definir isso?”
Mendonça constrói, com apoio de Nunes Marques, um contraponto a Moraes para o julgamento final dos acusados — a lista poderá incluir os filhos de Bolsonaro e outros parlamentares, ainda não denunciados.
É uma batalha de togas iniciada nesta etapa de aceitação das denúncias STF contra os sem foro privilegiado.
O problema de Mendonça e Nunes Marques está na autêntica muralha erguida pela maioria dos juízes no plenário. Alinhados ao juiz-relator, indicam que acabou a tolerância. Os ataques de 8 de janeiro teriam eliminado o espaço para contemporizações políticas e institucionais.
Aparentemente, como tem repetido o juiz Moraes citando Winston Churchill, entendem que “apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado”.