Termina na segunda-feira o prazo para Jair Bolsonaro apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral evidências ou informações sobre fraudes nas eleições de 2018 e 2020. O prazo foi estabelecido pelo juiz-corregedor do TSE, Luis Felipe Salomão, no último 21 de junho.
Trata-se de um processo administrativo, uma forma peculiar de inquérito aplicável ao setor público para dar efeito a algo previsto em lei.
O juiz-corregedor se baseou em declarações de Bolsonaro e, também, de um candidato que ele derrotou em 2018, o ex-deputado federal catarinense Benevuto Daciolo (Cabo Daciolo), e de um deputado estadual do PSL paulista, Oscar Castello Branco de Luca. “O conhecimento das eventuais vulnerabilidades a que se referem” — escreveu Salomão na intimação ao trio — “poderia favorecer o aprimoramento das barreiras de segurança hoje já existentes.”
Na quinta-feira, Bolsonaro usou a estrutura da presidência e a rede pública de televisão para apresentar suas “provas de fraudes” nas eleições. Num dos casos relatados, a única semelhança perceptível entre o sistema de votação e a “prova” estava na aparência do painel da urna eletrônica. Em outro, o presidente se baseou em erros matemáticos aparentemente cometidos por um autodeclarado acupunturista de árvores — depois, ele negou a autoria.
É provável que Bolsonaro informe à Justiça Eleitoral não possuir “provas”, apenas conhecimento de relatos genéricos sobre crimes eleitorais. Ensaiou isso ao lado do ministro da Justiça, Anderson Torres, na quinta-feira, porque corre o risco de processo criminal no exercício da presidência, inclusive por abuso de poder.
Seus aliados parlamentares, líderes do aglomerado partidário Centrão, acreditam em mudança de rumo. Não esperam moderação, mas apostam alteração na agenda de temas de campanha do presidente-candidato. Alguns acham, por exemplo, que Bolsonaro prepara a troca da defesa do retrocesso ao voto impresso — sem chance de aprovação no Congresso — por uma outra proposta política, mais abrangente e com potencial até de atrair parte da oposição: uma nova Constituição.
Esse tema foi debatido na campanha de Bolsonaro em 2018. Na época, houve divisão sobre a forma. Alguns achavam necessário o governo mobilizar o Congresso e aprovar a eleição de uma Constituinte, exclusiva ou mista (parte congressual e parte eleita). Outros defenderam a instituição de uma comissão responsável por um anteprojeto para ser submetido a referendo nas urnas. Entre esses estava o vice, Hamilton Mourão.
Essas ideias se dissiparam depois da vitória, com o acordo tácito entre Bolsonaro e a cúpula das Forças Armadas para enquadrar o governo numa moldura militarista. Deu errado, como demonstra o desastre governamental na gestão da pandemia, sob coordenação de militares da ativa e aposentados. E resultou num declínio da confiança pública nas Forças Armadas, como atestam pesquisas de opinião: entre janeiro de 2019 e o último junho, a credibilidade pública nas instituições militares caiu doze pontos— de 70% para 58%, segundo a XP/Ipespe.
Na crise pandêmica, a ideia de nova Constituição foi retomada em conversas no Palácio do Planalto, com foco na reforma do Judiciário e do Ministério Público, sob o argumento predileto de Bolsonaro de que a Justiça mais atrapalha do que ajuda seu governo.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), chegou a anunciar um projeto de decreto legislativo para um plebiscito no qual se aprovaria, ou não, a elaboração de uma nova Constituição. A forte reação, sobretudo do Judiciário, deixou o líder do governo emudecido.
Mas a ideia de uma nova Constituição continua a encantar o governo e, também, alguns segmentos da oposição. Na mesma época em que Bolsonaro discutia o assunto com líderes do Centrão, como Barros, Arthur Lira, então candidato à presidência da Câmara, e o senador Ciro Nogueira — todos do Progressistas —, o Partido dos Trabalhadores divulgou sua proposta para “reconstrução e transformação” do país.
Em 215 páginas, alinha as reformas que julga “necessárias ao desenvolvimento soberano”, como “agrária, da mídia, jurídica, tributária, e, inclusive, militar”, a partir de “uma profunda reforma política do Estado que mude radicalmente as atuais instituições”. Acrescenta: “O PT é imprescindível para derrotar o golpismo e convocar uma Assembleia Constituinte Soberana, o meio democrático de promover aquelas reformas, com a legitimidade de um novo governo e Lula inocente. Uma nova Constituinte não pode ser concebida como ponto de partida, mas como um ponto central no próprio processo político de ascensão da luta democrática e de (re)constitucionalização do país.”
Com motivações diferentes, governo e o maior partido de oposição coincidem no desejo de levar o país a uma nova Constituição. Bolsonaro e outros candidatos podem defender essa posição em campanha.
É legítimo, mas não significa que estejam certos e, muito menos, que isso seja viável sem uma ruptura institucional. O exemplo do Chile, constantemente evocado nessas discussões internas, não é válido: depois de 40 anos, os chilenos resolveram mudar a Constituição herdada da sanguinária ditadura de Augusto Pinochet.
Constituições são feitas para durar. A brasileira vai completar 33 anos no próximo outubro. Culpá-la tem sido mais fácil do que cumpri-la.