Jair Bolsonaro ganhou ontem um presente raro: conselhos públicos dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer.
Juntos, somam 261 anos de vida, quase quatro vezes a idade de Bolsonaro. Individualmente, têm o triplo de tempo dele na política.
O trio assistiu a todas as crises depois do golpe de 1964, atuou na retomada do regime democrático e, à sua maneira, cada um desempenhou papel relevante na moldagem do país que Bolsonaro recebeu na posse, há dois anos e meio.
Fernando Henrique e Temer participaram de um evento do centro de pesquisas Insper, em São Paulo. Sarney, que ainda se recupera de um acidente doméstico em Brasília, optou por gravar um vídeo e enviá-lo ao Jornal Nacional, da Tv Globo.
Eles se mostraram preocupados com a insistência de Bolsonaro na retórica de ameaça às eleições de 2022, ao regime democrático, às instituições e aos integrantes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.
Com recomendações práticas, em português claro, presentearam o presidente-candidato com recomendações sobre aquilo que ele não deveria fazer, caso deseje sair do buraco que cavou, entrou e do qual não consegue sair. Eis três dos conselhos de ontem:
* Compreender a realidade, segundo Fernando Henrique: “Eu não vejo um movimento na sociedade brasileira que favoreça tal posição [a favor de golpe de Estado. Eu acho que ele [Bolsonaro] está se isolando e está demonstrando ímpeto autoritário, e não é, imagino que não seja, esse o sentimento real da maioria dos brasileiros (…) Não conheço o presidente Bolsonaro, mas, se ele expressou esse sentimento [golpista], ele está equivocado. Tem que expressar o sentimento da Constituição e da maioria do povo brasileiro. A legalidade democrática impõe. Em qualquer tentativa de ir contra a legalidade, eu estarei contrário. Claramente contrário. Abertamente contrário.”
* A conduta na Presidência da República, segundo Temer: “Não pode haver desarmonia entre os Poderes. Esse ataque ao STF, ataque ao Legislativo, significa uma tentativa de desarmonizar. E a desarmonia é inconstitucional. Isso não pode acontecer. Desde o presidente da República até todos os demais, têm que obedecer àquilo que a soberania popular expressou por meio da Constituição. Portanto, são todos escravos da Constituição. Não pode haver um ataque dessa natureza porque, a meu ver há uma irregularidade legal, inconstitucional.”
* O objetivo da política na democracia, segundo Sarney: “Meu compromisso permanente com a democracia está registrado em fatos, e não em palavras. Conduzi a restauração democrática, a transição, convocando e garantindo a Assembleia Constituinte e a implantação da Constituição de 1988. Nós devemos cada vez mais ter confiança no regime democrático, aquele que Lincoln tão bem definiu como ‘o governo do povo, pelo povo e para o povo.’”
Bolsonaro pode achar que é perda de tempo ouvir Sarney, Fernando Henrique e Temer. Ainda assim, eles continuarão respeitados como políticos prudentes, experimentados e sábios — até porque sabem que a escassez de bom senso o impede de escutá-los.