Uma pandemia acontece quando certa doença epidêmica infecciosa atinge todos os continentes de maneira sustentada. A última, como se sabe, foi a de covid-19, que matou 5 milhões de pessoas.
Desde o controle da emergência sanitária pelo coronavírus, o mundo se pergunta de onde – e quando – virá a próxima pandemia. A resposta provável é: de qualquer lugar, a qualquer momento.
Assustador? Um tanto, mas o fato é que, em média, 70% das novas ameaças são causadas por zoonoses, infecções em outras espécies animais, em diversas localidades, que, por algum contato, podem atingir o ser humano. Então, é difícil prever de onde virá e de qual espécie.
Essa foi uma discussão importante durante o 59º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MEDTROP 2024), realizado há pouco em São Paulo. Mais de 4 mil profissionais de saúde, pesquisadores e estudantes se reuniram durante três dias para analisar o assunto dos vírus emergentes e doenças tropicais – algumas categorizadas como “negligenciadas”.
O motivo dessa alcunha é justamente porque se olha pouco para o problema. Há falta de investimento nessa área, em pesquisas e pouco interesse das indústrias farmacêuticas, já que os grandes compradores são as instituições públicas e governamentais – e não o público final. Então, economicamente falando, isso não interessa a grandes laboratórios.
Sem dúvida, essa questão impacta na rapidez da resposta ao enfrentamento de novas pandemias e epidemias. Sem falar nas condições de higiene e saneamento de diversas regiões, o aquecimento global, entre outros fatores, que levam ao alastramento dos vírus e bactérias.
Foi o que aconteceu recentemente com a febre de Oropouche, por exemplo. Nos últimos meses, o Brasil viveu um aumento de casos dessa doença, que é endêmica na Amazônia. Ela tem se espalhado em direção ao sul do país, provavelmente por conta de estiagens e desmatamentos que ajudam em sua disseminação.
No cenário mundial, temos como exemplo a Mpox. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o atual surto de Mpox na África como uma emergência de saúde pública global. Há preocupações de uma variante mais mortal do vírus, chamada clado 1b, se espalhar para outras regiões do mundo, já que sua taxa de mortalidade é de 0,5% comparado a 0,2% de outros clados.
O fluxo de viajantes entre regiões afetadas e retorno para seus países de origem são algumas das dificuldades encontradas por pesquisadores para descobrir o padrão de disseminação do caso. A guerra que persiste na República Democrática do Congo, e a exposição dessas mulheres a situações de conflito e violência também são fatores que contribuem para a disseminação do vírus.
Por isso, é importante olhar o cenário completo quando falamos dessas doenças. O MEDTROP 2024 teve como lema “Saúde Única”, uma definição acordada entre várias entidades, inclusive a OMS, com foco na saúde dos seres humanos, de outras espécies e também no meio ambiente.
A ideia foi mostrar que há uma interconexão entre essas áreas e precisamos tratá-las de forma conjunta ao analisar os problemas e achar as soluções. Sem isso, não conseguiremos concretizar o princípio de saúde para todos.
* Hiro Goto é médica, professora sênior da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do MedTrop2024