Isenção a pastores: entenda a polêmica que opõe evangélicos ao governo
O cerne do problema está na chamada prebenda, uma 'remuneração' dada a líderes religiosos que as igrejas não consideram salário; gestão Lula estuda saída
A isenção tributária sobre os salários de líderes religiosos concedida às vésperas da eleição de 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro, e suspensa pela Receita Federal na semana passada, pode até voltar a valer, mas não sem deixar mais rusgas entre a bancada evangélica no Congresso e o governo Lula — uma relação que sempre foi difícil porque esse segmento do eleitorado e alguns de seus principais líderes estiveram próximos a Bolsonaro e se distanciaram do petista nos últimos anos.
Para ser encerrada, a mais recente polêmica depende de um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) e de uma costura política que está aquém das decisões técnicas tomadas pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Responsável por suspender o decreto que ampliou os descontos já existentes sobre a tributação dos salários dos religiosos, sejam eles pastores ou padres, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas aguarda a posição do TCU sobre a legalidade do benefício. O tema é alvo de um processo interno aberto pelo órgão de controle ainda em 2022 e sem definição até hoje. De relatoria do ministro Aroldo Cedraz, o caso apura ainda possível desvio de finalidade e ausência de motivação.
Prebenda é salário?
O cerne da discussão está na classificação que pode ser dada ao subsídio pecunário dado a ministros religiosos, como pastores ou padres. A “remuneração” dos pastores é feita por meio da prebenda (que em latim significa algo como “oferta”), que seria uma contribuição da comunidade de fiéis para a sustentação do seu líder religioso. Para os evangélicos, isso não pode ser considerado salário e nem é passível de tributação.
Outra alegação é que não existe relação trabalhista entre um pastor e a igreja, o que a exime de contribuição previdenciária, por exemplo. Em linhas gerais, a tese defendida é que a opção pelo sacerdócio não é uma escolha profissional, mas uma vocação, e o vínculo entre a igreja e o pastor surge em decorrência de um chamado pessoal, relacionado à fé do indivíduo, e é uma iniciativa puramente espiritual e sem conotação empregatícia.
Reação política
Para os evangélicos bolsonaristas, no entanto, a medida do governo é uma “perseguição”. Em entrevista ao programa Os Três Poderes, de VEJA, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que já presidiu a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, declarou que o governo Lula odeia evangélicos. “Nós já conhecemos o governo Lula. É um governo que odeia evangélicos, odeia o segmento religioso, odeia os cristãos, luta contra todos os nossos valores e nós não vamos esperar nada desse governo. Eu não espero nada do governo Lula”, acrescentou.
Cavalcante lidera desde a semana passada uma forte reação dos evangélicos contra a suspensão do decreto, pressionando a Fazenda a rever sua posição. Na segunda, 22, Haddad chegou a falar dessa possibilidade em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Segundo o ministro, o parecer do TCU será levado em conta na decisão final, mas, caso o órgão invalide o ato de Bolsonaro, o governo Lula analisará uma solução em conjunto com o advogado-geral da União, Jorge Messias. Caberá a Messias, portanto, discutir a regulamentação da isenção tributária aos religiosos sob novas condições. Caso contrário, uma ala já defende que o tema vire pauta do Congresso.