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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog

A lógica desumanizadora do fanatismo político

O ensaísta Davi Lago escreve sobre o cenário contemporâneo, dominado por discursos autoritários, intimidações, linchamentos virtuais e “cancelamentos”

Por Davi Lago
Atualizado em 20 set 2020, 08h23 - Publicado em 20 set 2020, 08h23

A ideia básica da expressão dignidade da pessoa humana é afirmar o valor intrínseco de cada ser humano, ou seja, cada ser humano tem valor em si mesmo pelo fato de pertencer ao gênero humano. Esse princípio está no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. O mesmo ocorre na Constituição Federal de 1988, que estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República brasileira. Apesar de comuns em textos legais contemporâneos, as menções explícitas à dignidade humana não aparecem nas declarações clássicas dos direitos humanos no século dezoito, nem nas codificações no século dezenove. Por qual razão? Por que, no direito, o discurso da “dignidade humana” surgiu tão tardiamente ao dos “direitos humanos”?

Em seu influente ensaio O conceito de dignidade humana e a utopia realista dos direitos humanos (2010), o filósofo Jürgen Habermas argumenta que, apesar da ideia de dignidade humana remontar à Antiguidade e adquirir sua acepção contemporânea na obra do filósofo Immanuel Kant, sua forma jurídica surge após a Segunda Guerra Mundial como uma reação aos crimes de massa cometidos pelos regimes totalitários. Este lembrete é especialmente relevante no cenário político contemporâneo, dominado por discursos autoritários, intimidações, linchamentos virtuais, “cancelamentos”, entre outras práticas comuns ao fanatismo político. Primo Levi ressaltou que o nazismo, como todo movimento fanático, precisava de um inimigo para atribuir a culpa de todos os problemas, presentes e passados, reais e supostos, que os alemães enfrentavam. Naquela ocasião, a culpa caiu sobre os judeus, que “percebidos como ‘outros’ por muitos, eram o antiestado ideal, o foco para o qual se podia direcionar a exaltação nacionalista e maniqueísta que a propaganda nazista mantinha viva no país”. No artigo Começou com a Noite dos Cristais (1978), Levi afirma que foi incutido nos jovens alemães “um ódio visceral, uma repugnância física, contra o judeu, destruidor do mundo e da ordem, culpado de todas as culpas”.

Os fanáticos políticos são incapazes de conjugar esforços, interagir civilizadamente, respeitar seus adversários (reais e imaginários) porque negam a estes o valor mais elementar: a dignidade humana. Conforme afirma a pesquisa de Jason Stanley, professor na Universidade de Yale, sobre os perigos do fanatismo político, estes crescem através da desumanização de segmentos da população. Ao excluir grupos específicos, os fanáticos políticos limitam “a capacidade de empatia entre os outros cidadãos, levando à justificação do tratamento desumano, da repressão da liberdade, da prisão em massa e da expulsão, até, em casos extremos, o extermínio generalizado”. O século vinte deixou claro que o pior é sempre possível. Portanto, a comunidade brasileira não pode considerar a dignidade da pessoa humana um mero enfeite no artigo 1º da Constituição Federal de 1988. O fanatismo político cresce no vazio de propostas, na atmosfera de irracionalidade e na promoção de um constante “nós” contra “eles” – onde “eles” são seres humanos esvaziados de sua humanidade.  A cidadania democrática, por outro lado, é propositiva, dialogal e compreende as interações de cada “eu” e “tu” sempre dentro do “nós”.

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