‘O Urso’: a segunda temporada da série que põe a gastronomia real na tela
Novos episódios mergulham ainda mais fundo no universo da cozinha, com brigas, choques de egos e tensões familiares
![SOB PRESSÃO - O chef Carmy (Jeremy Allen White) em O Urso: tudo por uma estrela no renomado Guia Michelin](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/08/1-ABRE-DUPLA-SERIADO-THE-BEAR-S2-4.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
A cozinha dos Berzattos é o coração da família. De origem italiana, o clã se reúne na véspera de Natal para celebrar a Festa dos Sete Peixes, tradição do sul da Itália que se consolidou nos Estados Unidos com a chegada dos imigrantes. Entre panelas borbulhantes, gritos de comando e o tilintar do cronômetro, os irmãos Carmy (Jeremy Allen White), Natalie (Abby Elliott) e Michael (Jon Bernthal) pisam em ovos para lidar com a instabilidade da mãe, que conduz o banquete com mãos de ferro. Ambientada anos antes dos eventos da primeira temporada de O Urso, a reunião familiar nervosa conduz o episódio mais enérgico da segunda fase da produção — que chega ao Star+ na quarta-feira 23, ainda mais potente que a anterior.
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Na nova leva de programas, Carmy, Natalie e a promissora Sydney (Ayo Edebiri) abraçam o ambicioso desafio de transformar a lanchonete falida legada a Carmy por Michael (o primogênito se suicidou) em restaurante renomado, capaz de conquistar uma cobiçada estrela do Guia Michelin. Embalada por brigas ferozes, muita burocracia e tensão acumulada equivalente a várias panelas de pressão prestes a explodir, a construção do The Bear, restaurante que dá nome à série, aprofunda o realismo notável da trama ao retratar o universo da cozinha, carregando com primor para a ficção um tema explorado exaustivamente em realities shows e programas culinários: a rotina quase nunca romântica (e sempre caótica) por trás do glamour da alta gastronomia.
![1-DUPLA-SERIADO-THE-BEAR-S2—Star-(1).jpg MENU FEMININO - As personagens Sydney e Natalie: luta contra a burocracia](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/08/1-DUPLA-SERIADO-THE-BEAR-S2-Star-1.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Gênero adorado pelo público, os programas culinários se multiplicaram exponencialmente ao longo dos anos, com propostas diversas e versões em inúmeros países. Um dos pioneiros do gênero, o chef americano Anthony Bourdain (1956-2018) ganhou prestígio ao expor o lado indigesto (e por vezes até nojento) dos restaurantes esnobes no livro Cozinha Confidencial (2001), e depois estrelou programas devotados a apresentar um olhar mais social para a alimentação. Na outra ponta da mesa, atrações como Pesadelo na Cozinha, popularizado pelo chef britânico Gordon Ramsay, e no Brasil apresentado pelo francês radicado no país Érick Jacquin, acompanham os chefs palpitando, nem sempre de maneira delicada, sobre a estrutura, a gestão e a comida de restaurantes em ascensão ou tidos como problemáticos, nos quais tudo dá errado. Isso, é claro, sem falar do MasterChef e suas variações internacionais que se arrastam por longas temporadas, vertendo em competição nas telas a dinâmica frenética das cozinhas profissionais, onde a exigência do cliente é desproporcional (e como) ao tempo disponível para o preparo dos pratos.
Sabor: Minha vida através da comida
Se no universo da não ficção a gastronomia é estrela, nas tramas ficcionalizadas ela dificilmente é explorada ostensivamente. No geral, o tema acaba romantizado, como na popular Emily in Paris, em que o personagem Gabriel é um francês bonitão que vai de chef comum a dono de restaurante chique de maneira meteórica, ou ganha retratos mais pitorescos em produções como O Menu, filme em que a gastronomia serve de pano de fundo para uma cruzada soturna em que parte dos clientes vira refeição.
![GettyImages-539557807.jpg OUTSIDER - Anthony Bourdain: o chef americano ficou famoso por expor o lado indigesto (e nojento) da alta gastronomia](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/08/GettyImages-539557807.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Cozinhar: Uma história natural de transformação
O Urso, felizmente, não envereda pelos caminhos mais óbvios: ao longo da série, o espectador é imerso em um ambiente de trabalho cheio de ansiedade, no qual o tique-taque do relógio é um inimigo “imparável” e a cozinha, um organismo vivo prestes a se incendiar em meio a uma profusão de comandos, ruídos repetitivos e sentimentos reprimidos. A nova temporada ainda introduz no caldeirão efervescente uma camada extensa de burocracia, revelando que gerir um restaurante vai além de viver à beira do burnout na cozinha — exige vistorias constantes, reformas e imprevistos que elevam a temperatura da mistura.
![3-PAG-HELL’S-KITCHEN-6.jpg DURO NA QUEDA - Gordon Ramsay (à dir.): carrasco dos realities de culinária](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/08/3-PAG-HELLS-KITCHEN-6.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Chocolate amargo: Uma autobiografia
Tamanha imersão, é claro, só é possível graças a uma familiaridade com o dia a dia nas cozinhas. A trama de O Urso é do produtor americano Christopher Storer — que, antes de mergulhar na ficção, esteve à frente de uma série de produções sobre o universo culinário, incluindo documentários sobre os chefs americanos Thomas Keller e Roy Choi. Storer também é amigo de infância do cozinheiro Christopher Zucchero, cuja família é fundadora do Mr. Beef, restaurante de Chicago especializado em sanduíches de carne italiana que inspirou parcialmente a série. Sua irmã, Courtney Storer, também é chef profissional e faz as vezes de produtora culinária da série — é ela quem garante que os menus, as preparações e todo o processo que envolve o restaurante sejam mostrados de modo verossímil na tela. A trama culinária, no entanto, se revela ingrediente de algo maior: a luta dos Berzattos para lidar com o luto e superar a disfuncionalidade da própria família, que parece fadada ao fracasso. É uma receita explosiva — mas também deliciosa.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855
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