No Brasil para participar do terceiro Festival Literário do Museu Judaico em São Paulo, onde apresenta o debate Como Terminar uma Guerra? na noite desta quarta-feira, 18 de setembro, o ativista e escritor Gershon Baskin é uma das vozes israelenses mais ativas na busca pela paz e por uma solução de dois Estados entre seu país natal e a Palestina, que reconhece como nação soberana. Opositor do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, responsável por intensificar a atividade militar do país em Gaza, Baskin tem mais de 30 anos de experiência como negociador de canais secretos e, em 2011, conseguiu firmar a troca do soldado Gilad Shalit por 1.027 prisioneiros palestinos, um dos casos que o levou a escrever Israel e Palestina: Um Ativista em Busca da Paz (Editora Ayllon). Segundo ele, porém, é impossível realizar negociações bem-sucedidas como as de outrora sob o comando das atuais lideranças. Em entrevista a VEJA, ele opina sobre as ramificações da eleição americana no conflito, a percepção mundial sobre a nação judaica, o antissemitismo e possíveis soluções:
A eleição americana de 2024 terá reverberações não só no país, como em todo o mundo. Na sua visão, as duas possibilidades de liderança implicam consequências diferentes ou semelhantes na guerra em Israel? Uma coisa é muito clara, ou deveria ser: Donald Trump é a pessoa mais perigosa do mundo. Ele é perigoso para todos e é perigoso para Israel e Palestina, claro. Houve uma declaração de Kamala Harris que achei interessante e otimista: ela usou o termo “autodeterminação” para os palestinos, uma palavra que normalmente não é usada por presidentes americanos. Ela frisou que defende o “direito de Israel de se defender”, mas afirmou que a guerra precisa acabar porque muitos palestinos foram mortos. Ela também já comentou sobre a necessidade da liberdade deles, o que achei encorajador.
Tem mais esperança em Kamala, então? No fundo, Israel e Palestina não serão uma questão de alta prioridade para nenhum novo presidente americano. Eles farão de tudo para manter isso fora da agenda, já que existem questões domésticas e globais de maior preocupação ao governo, como as relações com a China e com a Rússia, Ucrânia e OTAN. Todas essas pautas têm muito mais prioridade na política americana do que o conflito. Suspeito que qualquer administração, Trump ou Harris, tentaria avançar com a normalização entre Israel e Arábia Saudita. Isso, após 7 de outubro, será cada vez mais difícil, a menos que haja algum progresso na questão palestina. A verdade é que, enquanto Benjamin Netanyahu for primeiro-ministro de Israel, não haverá avanço. O que precisamos não é apenas de uma nova liderança nos Estados Unidos, mas em Jerusalém e na Palestina. Todos esses líderes antigos precisam sair.
Como avalia a popularidade atual de Netanyahu dentro do país? Netanyahu tem uma base sólida de entre 25 e 30% do público. Ele perdeu muito dela durante os primeiros meses da guerra, mas as conquistou de volta. A realidade em Israel é desafiadora em duas frentes. A primeira é que Israel está se tornando cada vez mais ditatorial. O sistema evoluiu de tal maneira que nosso ramo legislativo, o Knesset, é quase insignificante, impotente. Danos significativos à independência do judiciário foram feitos nos últimos dois anos. Netanyahu tem se tornado cada vez mais o único tomador de decisões em Israel. Nem o gabinete, nem o governo, nem o Knesset são realmente consequentes na tomada de decisões, particularmente no que diz respeito à segurança. O segundo desafio que enfrentamos é que é muito difícil derrubar o governo — quase impossível.
Pode explicar melhor? Temos uma ausência de qualquer tipo de liderança inspiradora na oposição, que não tem apelo ao eleitorado. Eles repetem o mesmo tipo de jargão militarista que Netanyahu dissemina e a única coisa que têm a oferecer é que são mais honestos e menos corruptos do que ele. Então, realmente não há nada que estimule o público israelense a pensar fora da caixa. Veremos o que se desenvolve depois. Suspeito que a chance de Netanyahu permanecer no governo após as eleições, sempre que forem realizadas, seja muito pequena. Espero.
Conforme viaja pelo mundo, o que percebe sobre a perspectiva global em torno da questão desde outubro de 2023? Em 7 de outubro, Israel tinha um caso muito forte a apresentar, porque o Hamas cometeu crimes de guerra e cruzou linhas morais que nunca deveriam ser cruzadas. Eles cometeram atrocidades horríveis que o mundo todo viu. Desde então, contudo, Israel tem cometido crimes de guerra em Gaza.
Espera que tipo de implicações para essas ações? A simpatia pelo povo palestino ao redor do mundo está em forte ascensão e o espaço de legitimidade de Israel está encolhendo constantemente. O mundo dos cidadãos israelenses está se tornando menor e menor, com cada vez menos lugares onde israelenses se sentem confortáveis ou seguros para viajar. Não é, porém, como Israel ou o status quo judaico americano gostaria que acreditássemos, que tudo se resume ao antissemitismo. O preconceito existe, mas o que está acontecendo é que as ações do país não são mais vistas como legítima defesa, e sim como vingança criminal. Vai levar tempo até que isso penetre a mentalidade israelense, porque ainda estamos vivendo sob trauma em Israel, e muitos não vêem claramente o que este governo está fazendo à nossa alma. Hoje, se torna cada vez mais claro que fomos enganados. Mais e mais israelenses entendem que a pressão militar está matando os reféns e que Netanyahu não priorizou os resgates. Isso abala a maneira como os israelenses se veem e o ethos da nossa sociedade, que diz que faremos de tudo para trazer nossos entes queridos de volta do cativeiro inimigo — o que, evidentemente, não tem sido verdade.
Quanto ao antissemitismo, acredita que o preconceito tenha se intensificado? O antissemitismo está sim em ascensão. Creio que grande parte desse aumento está relacionada à percepção de Israel na comunidade internacional, mas quero deixar muito claro: o antissemitismo é sempre ilegítimo. A crítica à nação é legítima. É possível, claro, que exista antissemitismo dentro de uma crítica a Israel. Existem pessoas e talvez até movimentos que carregam tal preconceito, mas criticar e boicotar Israel sem a intolerância em mente é uma atitude absolutamente válida.
Em sua visão, quais são os fatores indispensáveis para que Israel e Palestina se encaminhem rumo à paz? Em primeiro lugar, os 193 Estados-membros das Nações Unidas precisam reconhecer o Estado da Palestina e o Estado de Israel. Se estamos falando sobre uma solução de dois Estados, então toda a comunidade internacional deve validá-los. Agora, isso não vai acabar com a ocupação israelense sobre palestinos, mas remove o veto do país sobre a questão da soberania palestina. Se quisermos combater os extremistas, tanto em Israel quanto na Palestina — o Hamas e movimentos de colonos violentos em Israel —, precisamos tornar a solução viável para ambos os povos.
Qual o caminho para isso? Precisamos entender que as negociações entre Israel e Palestina não podem ser bilaterais. Elas precisam ser baseadas na região. Deve haver uma mesa regional composta por Israel, Egito, Jordânia, Emirados Árabes, Bahrein, Árabia Saudita, Marrocos e Turquia com apoio dos Estados Unidos e da União Europeia, entre outros países. Nela, precisamos desenvolver uma arquitetura regional de segurança, estabilidade e desenvolvimento econômico, assim como lidar com problemas de desertificação e mudanças climáticas. Outras prioridades são a educação e o incitamento público. Esses são dois fundamentos do processo de paz que foram ignorados na última vez. O que uma sociedade ensina às suas crianças é um reflexo do que realmente acredita, e os sistemas israelense e palestino precisam mudar e legitimar a existência nacional do outro povo que vive nesta terra, além de ensinarem tanto hebraico quanto árabe. O primeiro passo para tudo isso, de qualquer modo, continua sendo uma nova liderança mundial.
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