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Cade falha mais uma vez ao acatar pleito da Petrobras sobre refinarias

O caso não foi o primeiro em que a autoridade antitruste tem a conduta criticada

Por Luana Zanobia, Juliana Machado Atualizado em 3 jun 2024, 16h31 - Publicado em 2 jun 2024, 08h00
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  • Dois episódios recentes mostram como Brasil e Estados Unidos tratam de maneira díspar a livre e justa concorrência entre empresas. Lá fora, o Departamento de Justiça lidera um processo para quebrar o monopólio da empresa de entretenimento Ticket­Master, do grupo Live Nation, que controla 80% das vendas de ingressos para shows e eventos esportivos no país. Enquanto isso, por aqui, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o órgão antitruste brasileiro, acatou um pedido da Petrobras, desobrigando-a de vender refinarias e ativos de gás natural. Os diferentes caminhos tomados nos dois países explicam, em alguma medida, por que os Estados Unidos são uma potência econômica, com um ambiente de negócios saudável e altamente competitivo, e escancaram as velhas mazelas brasileiras, como baixa competição e concentração de mercado nas mãos de poucas empresas.

    O cancelamento da venda das refinarias pela Petrobras reverte a deliberação tomada em 2019, no governo de Jair Bolsonaro, em que o órgão antitruste apurava um suposto abuso de poder no mercado de refino. Na época, o objetivo era manter o foco da Petrobras na extração de óleo e gás. Agora, o presidente Lula entende que a companhia deverá seguir forte como dona de refinarias, posição já endossada pela nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard. Para ela, “é estranho” que a estatal reduza a atuação no setor de refino. Chama atenção também o fato de a maioria dos conselheiros do Cade — quatro de seis — ter sido indicada no ano passado pelo atual presidente, o que só agrava a percepção de que o órgão se tornou permeável à agenda heterodoxa petista. “O Cade muda o caráter de suas decisões para atender a diferentes agendas”, afirma Bruno Carazza, ex-­integrante do Cade e professor associado da Fundação Dom Cabral. “Isso gera dúvidas, cria ruídos e, no final, prejudica a sua credibilidade.”

    SINTONIA FINA - Cordeiro e Chambriard: presidentes do Cade e da estatal estão alinhados
    SINTONIA FINA – Cordeiro e Chambriard: presidentes do Cade e da estatal estão alinhados (Edilson Rodrigues/Agência Senado; Alexandre Brum/Ag. Enquadrar/Agência O Globo/.)

    As críticas, porém, não se resumem à leniência com o governo, mas também se estendem à alternância de cargos entre Alexandre Cordeiro, atual presidente, e Alexandre Barreto, superintendente do órgão. Ao final do mandato, um se torna superintendente e o outro, presidente, uma dinâmica que mantém ambos no poder há quase sete anos. “A estratégia compromete a renovação do comando, tornando o Cade mais suscetível à captura por interesses políticos”, diz Carazza.

    arte Cade

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    O caso Petrobras não foi o primeiro em que a autoridade antitruste tem a conduta criticada. Com raros casos de rejeição de negócios — das 611 operações analisadas em 2023, 592 foram aprovadas sem restrições —, o Cade já foi alvo de questionamentos nos anos 2000, quando acatou sem resistência a política de campeões nacionais de Lula e Dilma Rousseff. As fusões JBS-­Bertin e Sadia-Perdigão, ambas em 2009, contaram com forte injeção de capital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para criar gigantes capazes de competir globalmente, mas que foram mais tarde envolvidos em críticas por concentração de mercado e corrupção. A fusão das cervejarias Brahma e Antarctica, que resultou na criação da Ambev, e a compra da Chocolates Garoto pela Nestlé, que levou duas décadas sob análise, também são exemplos de como o Cade foi pouco eficiente em coibir a criação de conglomerados com largo domínio do mercado no Brasil. Foram ocasiões em que o xerife da concorrência agiu de modo que faz pensar se seguiu o rigor da lei.

    Não bastasse estar suscetível a interesses políticos, o Cade também não conta com um quadro técnico próprio, selecionado por concurso público. Em vez disso, opera com servidores cedidos de outros órgãos ou usa cargos comissionados que não passam pelo rigor de um processo seletivo. “Isso compromete a independência técnica e aumenta a vulnerabilidade a influências políticas”, diz Maurício Canêdo, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

    DOMÍNIO - Cervejas: a Ambev concentrou o mercado
    DOMÍNIO - Cervejas: a Ambev concentrou o mercado (./Shutterstock)
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    A própria estrutura do Cade tem as suas particularidades. A título de comparação, nos Estados Unidos o órgão antitruste é o Federal Trade Commission (FTC), uma entidade independente e não vinculada ao governo — ao contrário do Cade, que tem autonomia, mas é atrelado ao Ministério da Justiça. A escolha de conselheiros é semelhante nos dois países, com indicação feita pelo chefe do Executivo e referendada pelo Senado. Lá fora, porém, o processo afasta a escolha de conselheiros por motivos políticos, já que o debate é mais acirrado entre republicanos e democratas e filtra a seleção de nomes, segundo Canêdo. “No Brasil, com a multiplicidade de partidos, nenhum deles tem força suficiente para contestar significativamente uma indicação presidencial”, diz.

    Em entrevista a VEJA, o presidente do Cade se defende. Alexandre Cordeiro admite que os desinvestimentos realizados pela Petrobras foram significativos e que a decisão de não vender as refinarias representa uma mudança na política da companhia. “Não é função do Cade se imiscuir em decisões de governança de qualquer empresa”, diz ele. “Nossa preocupação é a concorrência.” Essa resposta não condiz com o fato de que a Petrobras detém 70% do refino no país. Ex-presidente do Cade e professora de economia da Universidade de São Paulo, Elizabeth Farina reconhece que a mudança de estratégia do órgão é um reflexo direto da troca de governo, mas afirma que isso “não reflete um problema institucional”.

    NOVELA - Nestlé e Garoto: operação foi “analisada” por décadas
    NOVELA - Nestlé e Garoto: operação foi “analisada” por décadas (Jorge Araújo/Folhapress/.)
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    Do ponto de vista do mercado, a decisão do Cade sobre a Petrobras não poderia ser uma sinalização pior de como caminha o ambiente de negócios no Brasil. Sob condição de anonimato, gestores de grandes fundos ouvidos por VEJA revelam descontentamento com a decisão. “É uma indicação ruim sobre a orientação do órgão”, afirma um gestor de um grande fundo de ações. “O objetivo deveria ser maximizar a concorrência, e essa decisão não vai nessa direção, por isso causa estranheza.”

    arte Cade

    Em seu pedido para o Cade, a Petrobras alegou que houve baixo interesse pelas refinarias e por ativos de gás natural e que as propostas recebidas não atenderam aos requisitos financeiros e econômicos mínimos. Além disso, afirmou que não há indícios de que o desinvestimento resultaria em ganhos competitivos. “Mas fica claro que existe um viés por trás da decisão”, afirma outro gestor de ações. “O grande problema aqui é a mudança de orientação a cada governo, e essa incerteza é muito ruim para qualquer um que tome decisões de investimento.” O xerife da livre iniciativa no Brasil foi testado — e, mais uma vez, reprovado.

    Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895

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