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O rei dos ovos: como Ricardo Faria criou a Global Eggs e conquistou o mundo

Da venda de picolés na infância ao comando da holding, o empresário Ricardo Faria construiu uma carreira bilionária sem abrir mão da simplicidade

Por Amauri Segalla
25 jul 2025, 06h00

“Você acha que sou o mais inteligente da família?” A pergunta foi feita pelo fluminense Ricardo Faria no meio de uma conversa em que falava sobre a jornada que o levou até o topo. Ele mesmo responde, entre gargalhadas: “Não sou, nem nunca fui. Na verdade, sou mais burro do que minhas irmãs”. Faria para por um instante, pensa melhor no que diz, e prossegue sem hesitar: “Mas acho que sou o mais trabalhador e o mais corajoso”. Convenhamos: não é todo dia que um empresário, e ainda mais um dos grandes, fala com desconcertante sinceridade sobre suas características pessoais — e numa entrevista que, sabia ele, seria mais tarde apresentada para milhares de leitores. Mas Faria é diferente de boa parte das pessoas que fizeram fortuna no Brasil. Embora seja o 21º homem mais rico do país, com patrimônio calculado em 17,4 bilhões de reais pela revista americana Forbes, ele não exibe traços de afetação. Muito pelo contrário. Seu discurso é simples e autêntico, e a impressão que se tem é que não existe nada de ensaiado no que diz. Em boa medida, é um jeito que provavelmente o ajudou a chegar tão longe.

Nos tempos em que vendia sorvete na praia: logo cedo descobriu que valia a pena ser dono do próprio negócio
Nos tempos em que vendia sorvete na praia: logo cedo descobriu que valia a pena ser dono do próprio negócio (./Arquivo pessoal)

Aos 50 anos, Ricardo Faria vem construindo uma das trajetórias mais extraordinárias entre os empreendedores brasileiros. Controlador da Global Eggs, a segunda maior produtora de ovos do mundo, com granjas espalhadas pelo Brasil, Estados Unidos e Europa, este fluminense criado em Santa Catarina transformou uma aposta arriscada — investir em um setor historicamente pouco valorizado do agronegócio — em um império global com faturamento anual estimado em 2 bilhões de dólares. Em 2025, a Global Eggs deverá produzir colossais 13 bilhões de ovos. É como se Faria alimentasse cada habitante do planeta com um ovo e meio, e ainda sobrasse um pouco. “Desde muito cedo eu gostava de coisas rurais, de produzir alimento para as pessoas”, diz. “Essa era a minha vocação.”

Não é exagero afirmar que Faria começou a vida empreendedora do zero. Filho de um médico sanitarista e de uma engenheira elétrica também formada em matemática, mudou-se para Criciúma, em Santa Catarina, aos 3 anos. Era uma família de classe média, forjada na ética do trabalho, sem luxos nem ostentações. “Ninguém podia deixar a luz acesa em casa”, ele afirma. A austeridade marcaria a vida do empresário para sempre. Para ter ideia, seu apartamento em São Paulo é alugado.

arte ovos

Foi em Criciúma, ainda criança, que resolveu empreender. Aos 8 anos, vendia picolés na Praia do Rincão, no litoral sul de Santa Catarina, para logo descobrir que poderia faturar mais de um salário mínimo em apenas um fim de semana de labuta. Ser dono do próprio nariz virou obsessão. Na ânsia de embolsar uns trocados, também catava papelão e jornal e os vendia para centros de reciclagem. Tudo isso sem que a família se opusesse. “Meu pai dizia que a melhor coisa que fez por mim foi não me atrapalhar.”

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O interesse pelo agronegócio veio quando foi estudar nos Estados Unidos, aos 15 anos. Faria morou no Central Valley, na Califórnia, uma das regiões agrícolas mais tecnificadas do mundo. Lá, conheceu a mecanização agrícola voltada para o agro e se encantou com os sistemas de irrigação e produção em larga escala. Foi aí que abandonou a ideia inicial de cursar medicina, como o pai, e decidiu tornar-se engenheiro agrônomo. Ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com 16 anos. Para bancar os estudos, assumiu a pequena confecção de uniformes da família, que produzia modestas 1 000 peças por mês. Ao final do curso, já sob o comando de Faria, a empresa passou a fabricar 60 000 unidades mensais.

Hillandale Farms (acima), nos EUA, e produção da Granja Faria: o negócio cresceu após aquisições
Hillandale Farms (acima), nos EUA, e produção da Granja Faria: o negócio cresceu após aquisições (Divulgação; Heitor Crespo/.)

O empresário dá detalhes da jornada entremeando frases emotivas — “o meu negócio é sangue, suor e lágrimas” — com lições de empreendedorismo. Uma delas: por menor que seja o seu negócio, aproxime-se de grandes empresas. Aos 22 anos, ele criou uma lavanderia industrial voltada para frigoríficos e para a indústria automotiva, uma iniciativa que mais tarde se tornaria a bem-sucedida Lavebras. No volante de um Corsa de segunda mão, viajava pelo Brasil para bater à porta de clientes como Perdigão, Volkswagen e Mercedes-Benz. “Cheguei a percorrer 120 000 quilômetros em um único ano”, diz.

Na Lavebras, Faria inovou ao criar um modelo de partnership para suas empresas, algo pouco comum no Brasil daquele início de século XXI. A ideia, simples na teoria e poderosa na prática, era compartilhar a sociedade com executivos-chave, transformando gestores em donos, com responsabilidade e participação nos resultados. “A diferença entre o porco e a galinha é que a galinha entra com o ovo, mas o porco entra com a pele”, diz ele, numa metáfora que usa para ilustrar o comprometimento real que espera dos sócios. “Gente com skin in the game toma decisões melhores.”

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Dorigoni: escolhido por Faria para organizar e expandir a operação no mercado americano
Dorigoni: escolhido por Faria para organizar e expandir a operação no mercado americano (Claudio Gatti/.)

Foi a partir de 2007, quando passou a liderar sozinho a Lavebras, que o modelo começou a ser implementado com mais vigor. Faria convidou gerentes e colaboradores de confiança para se tornarem sócios — e a empresa decolou. “Antes, o negócio subia um pouco, depois caía, e subia de novo”, afirma. “Com o partnership, virou um foguete.” Ao todo, dez executivos integraram a primeira geração de sócios, detendo, em conjunto, algo próximo de 6% da Lavebras. O engajamento se multiplicou, os resultados apareceram rapidamente e o formato virou uma marca registrada em todas as companhias que criou desde então.

O sucesso da Lavebras chamou a atenção de investidores de peso. Um deles foi Edson de Godoy Bueno, fundador da operadora de saúde Amil e um dos empresários mais admirados do país, conhecido por sua visão afiada para negócios com alto potencial de crescimento. Bueno comprou uma fatia da Lavebras e virou sócio de Faria. A parceria não era apenas financeira — foi também uma troca intensa de experiências entre dois empreendedores que compartilhavam a crença na disciplina como o melhor caminho para o crescimento. “O Edson me ensinou muito sobre governança e ambição”, afirma Faria. “Ele me dizia que eu precisava pensar grande, mirar lá na frente.” Foi ao lado de Bueno que a Lavebras profissionalizou de vez o negócio. Com o novo sócio, a companhia comprou trinta empresas em apenas 36 meses. “Isso deve ser um recorde”, diz ele. A venda posterior da Lavebras por quase meio bilhão de dólares para o gigante francês Elis significou o encerramento de um ciclo e abriu espaço para uma nova fase na trajetória de Faria.

Godoy Bueno: o fundador da Amil foi sócio de Faria na lavanderia Lavebras
Godoy Bueno: o fundador da Amil foi sócio de Faria na lavanderia Lavebras (Karime Xavier/Folhapress/.)
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Eis aqui mais uma lição importante do empresário: seja nos negócios, seja na vida, aproxime-se de gente valiosa, que inspire e ensine. Um exemplo dessa filosofia está na relação que mantém com Nildemar Secches, um dos grandes nomes da história empresarial brasileira. Ex-presidente da Perdigão, responsável por modernizar a companhia e liderá-la em sua fase de maior expansão, Secches atua hoje em dia como conselheiro e investidor em diferentes negócios. Foi ele quem deu a Faria uma das primeiras grandes oportunidades, ao contratar sua empresa para resolver um problema de contaminação nos uniformes de uma fábrica da Perdigão. “Ele era um menino, tinha pouco mais de 20 anos, mas já mostrava uma maturidade impressionante”, diz Secches.

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Com o tempo, a relação comercial deu lugar à amizade, alimentada por conversas periódicas sobre estratégia, riscos e decisões de longo prazo. Após a venda da Lavebras, foi Secches quem aconselhou Faria a parar por um tempo, investir o dinheiro com cautela e se dedicar a um período de estudo e reflexão. “A primeira coisa que ele precisava fazer era nada”, diz o ex-CEO da Perdigão. “Ele deveria se acostumar com aquela quantidade de dinheiro e, depois, pensar com calma no que fazer.” Faria seguiu o conselho à risca: foi estudar em Harvard e, algum tempo depois, voltou ao jogo com a ideia de entrar firme no ramo de produção de ovos.

A chegada ao topo, registre-se, não se dá de forma linear, mas quase sempre é marcada por sobressaltos. Quando passou a morar em São Paulo para se dedicar ao crescimento da Lavebras, Faria entrou em depressão. Os amigos de Criciúma ficaram para trás, ele trabalhava muito e nada mais parecia fazer sentido. “Eu não queria falar com ninguém e passava o fim de semana vendo Netflix”, diz. “Foi um horror.” A fase foi superada com ajuda de uma psicóloga, e foi aí que entendeu que o sucesso profissional nem sempre é acompanhado da boa saúde mental. Outra lição aprendida na vida de empresário bem-sucedido é que deve, sim, tomar cuidado com as palavras, apesar do estilo seco e direto como os golpes de um boxeador profissional. Em uma entrevista, chegou a dizer ser difícil contratar no Brasil porque as pessoas estão viciadas no programa federal Bolsa Família. Dada a repercussão, resolveu não falar, por um bom tempo, sobre assuntos que possam despertar discussões políticas.

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Secches: o ex-CEO da Perdigão é um dos executivos que mais inspiraram Ricardo Faria
Secches: o ex-CEO da Perdigão é um dos executivos que mais inspiraram Ricardo Faria (Avener Prado/Folhapress/.)

Depois da bem-sucedida experiência com a Lavebras e da imersão em Harvard, Faria voltou-se com força total para o agronegócio, mais especificamente para o setor de ovos. O movimento deu origem à Granja Faria, que em pouco tempo deixaria de ser uma operação regional para se tornar uma potência nacional com presença em vários estados do país. O próximo salto foi mais ousado: internacionalizar os negócios. Nascia assim a Global Eggs, uma holding com sede em Luxemburgo e a ambição clara de liderar o setor de produção de ovos no mundo. A estrutura societária segue a lógica do partnership, modelo que Faria consolidou em seus empreendimentos anteriores: executivos-chave tornam-se sócios, ganham participação nos lucros e assumem riscos e responsabilidades como donos. A gestão é baseada na valorização dos talentos. “Pessoas A contratam profissionais AA”, diz o empresário. Ou seja, a busca é sempre por gente ainda melhor do que quem está contratando, em um processo de permanente enriquecimento interno.

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Foi assim, por exemplo, que Denilson Dorigoni se tornou peça central na engrenagem do grupo. Dorigoni saiu do cargo de CEO da Granja Faria para assumir um dos desafios mais importantes da companhia: organizar e expandir a Hillandale Farms, nos Estados Unidos, comprada por 1,1 bilhão de dólares. Com três centros de distribuição e uma atuação que supera, em escala, as operações brasileiras e europeias, a Hillandale levou a Global Eggs à vice-liderança global no setor. Outra movimentação importante está prestes a acontecer: Faria se prepara para anunciar, nos próximos dias, uma nova aquisição, desta vez na Europa. “É mais vantajoso adquirir granjas no exterior e coordenar as operações a partir da proximidade com os consumidores finais”, afirma José Carlos Hausknecht, sócio da consultoria MB Agro.

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O Brasil é peça-chave nas transformações do setor. “O custo de produção das granjas e avícolas brasileiras é baixo, em razão de o país ser muito competitivo em tecnologia”, diz Lavínia Vieira, diretora de agronegócio da consultoria Falconi. “Nos últimos anos, as granjas passaram a investir em controle de ambiente, automatização e rastreabilidade da cadeia. Elas também são muito avançadas em pesquisa com genética aviária, um diferencial importante.” Nesse contexto, é mais do que natural esperar que a concorrência se movimente. Recentemente, o conglomerado do ramo de alimentos JBS anunciou a compra de uma fatia da Mantiqueira, uma das maiores produtoras de ovos do Brasil, avaliando a empresa em 1,9 bilhão de reais. A operação representou a entrada da companhia dos irmãos Wesley e Joesley Batista no segmento de ovos e, claro, acirra a concorrência. A Mantiqueira exporta sua produção para a América do Sul, Ásia, África e Oriente Médio, e agora avalia uma fusão ou aquisição para entrar nos Estados Unidos.

Produtos da Mantiqueira, rival da Granja Faria: o mercado brasileiro passa por forte crescimento
Produtos da Mantiqueira, rival da Granja Faria: o mercado brasileiro passa por forte crescimento (./Divulgação)

O mercado brasileiro está em forte expansão. Nos últimos quinze anos, pulamos de pouco mais de 100 ovos consumidos per capita por ano para 270. A produção esperada para 2025 é de 59 bilhões de ovos, acima dos 57,6 bilhões de 2024, segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal. Há uma explicação evidente para o avanço. Preocupações com a alimentação saudável, associadas ao surgimento de pesquisas que comprovaram os atributos do ovo, impulsionaram o consumo, uma tendência que Ricardo Faria segue à risca. Atento à boa forma — praticante de tênis e corrida, ele tem 1,87 metro de altura e pesa 78 quilos —, costuma comer três ovos mexidos no café da manhã. Quando o dia está atribulado e não há tempo para almoçar direito, recorre ao bom e velho omelete. “Existe grande demanda por proteína saudável e a margem de lucro é elevada o suficiente para os produtores investirem em novas opões, como os ovos orgânicos ou de galinhas que não são mantidas presas”, diz Roberto Kanter, professor dos cursos de MBA da Fundação Getulio Vargas.

Amparada nas mudanças da sociedade, a Global Eggs alça voos cada vez mais altos. A empresa espera faturar 2,5 bilhões de dólares em 2025, um salto de 25% ante 2024. Enquanto isso, Faria segue a mesma rotina de sempre, evitando os mimos típicos daqueles que ultrapassaram a barreira do bilhão em patrimônio. “Ainda não comprei um barco”, brinca. Seu maior luxo são os três aviões da companhia, usados para deslocamentos profissionais. No fim das contas, talvez o segredo esteja justamente aí: trabalhar duro — e nunca perder a simplicidade.

Com reportagem de Tiago Cordeiro

Publicado em VEJA, julho de 2025, edição VEJA Negócios nº 16

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