Reforma do IR: Só quem ganha acima de R$ 90 mil vai pagar mais, diz pesquisador do Ipea
Projeto do governo prevê cobrar um imposto mínimo de todos que ganham mais do que R$ 50.000 por mês, mas só para os extratos mais altos deverá fazer diferença

A proposta de reforma do Imposto de Renda apresentada pelo governo federal na semana passada propõe isentar do tributo todas as pessoas que ganham até 5.000 reais por mês, além de reduzir o desconto daqueles que ganham de 5.000 até 7.000 reais. Em contrapartida, para cobrir a arrecadação que será perdida, o texto planeja aumentar a cobrança dos mais ricos, que hoje, no geral, pagam proporcionalmente menos imposto que os demais.
Para isso, o projeto cria uma alíquota mínima, que cresce progressivamente de 0% a 10%, a ser aplicada sobre todos que ganham mais de 50.000 reais por mês. Esse grupo é o pedaço mais alto do 1% mais rico da população e, atualmente, paga o equivalente a apenas 2,5% de sua renda em impostos, de acordo com dados novos da Receita Federal apresentados junto ao projeto. O texto depende agora de aprovação no Congresso.
Na prática, entretanto, só aqueles que ganham mais de 90.000 reais por mês, ou a partir de 1,1 milhão de reais no ano, sairiam pagando mais imposto com as novas regras do que o que já pagam hoje. Para a maioria dos demais da alta renda, a carga tributária continuaria igual ao que eles já pagam. É o que apontou uma simulação feita pela economista Sergio Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) especializado em política fiscal e tributária.
Isso acontece por duas razões: primeiro porque o IR mínimo previsto pelo projeto do governo para quem ganha na faixa dos 50.000 reais é praticamente simbólico, próximo de 0%, e vai crescendo continuamente até chegar a 10% para os que ganham mais de 100.000 reais. A segunda razão é que quem ganha 50.000 reais, na média, já paga hoje mais imposto do que quem ganha 100.000 reais e já tem também uma alíquota efetiva maior do que o IR mínimo previsto para a sua faixa pela nova lei. Os dados foram levantados por Gobetti a partir das informações públicas da Receita Federal sobre as declarações do Imposto de Renda de 2022, ano mais recente disponível. “Desde o início, a ideia era criar um imposto sobre os milionários, e, na prática, é o que vai acontecer”, disse Gobetti a VEJA.
O que a reforma propõe
Pelas regras propostas na reforma do Imposto de Renda do governo, todas as pessoas que ganham acima de 100.000 reais por mês (1,2 milhão de reais por ano) passarão a ter que pagar uma alíquota mínima de 10%, considerada a soma de todas as suas rendas e tudo o que já pagaram de imposto. Caso já paguem mais do que os 10%, não precisarão desembolsar nenhum valor adicional. Caso paguem menos, terão que pagar o complemento até inteirar os 10%. De acordo com os dados levantados por Gobetti, essas pessoas pagam atualmente de 5% a 8,5% de imposto efetivo — sendo que, quanto mais cresce a renda, menor fica a alíquota efetivamente paga — e terão que pagar um adicional de 1,5% a 5% para cumprirem o mínimo de 10%.
Seguindo o mesmo mecanismo, para os que estão entre 50.000 e 100.000 reais, foi criada uma faixa de transição em que será aplicada uma alíquota mínima que varia de 0% a 10%, e que cresce gradativamente conforme cresce a renda. Quem ganha 51.000, por exemplo, terá que pagar uma alíquota mínima de 0,2%. Como, no geral, as pessoas dessa faixa já pagam com folga um imposto efetivo maior do que isso, na prática não mudará nada para a maioria delas.
Um indivíduo que tem renda mensal de 68.000 reais, por exemplo, paga atualmente, em média, 9,9% de IR, de acordo com Gobetti. Já é mais do que a alíquota mínima sugerida para essa faixa, que será de 4,2% — ou seja, ele não deverá sofrer cobrança adicional. Os complementos serão calculados anualmente junto à declaração do Imposto de Renda, de maneira bastante similar a como já funciona os ajustes da restituição e do imposto devido. “Até as pessoas que ganham 900.000 reais por ano [75.000 reais/mês] vai ser raríssimo encontrar alguém que seja atingido [pelo aumento de imposto], porque, mesmo nessa faixa, a maior parte da renda ainda vem do trabalho, que já é tributado”, disse Gobetti. “É daí para cima que a renda vinda dos dividendos passa a predominar, e é por isso que o valor proporcional pago em imposto começa a cair.”
Renda de dividendos
A alíquota efetiva é o valor total de imposto de renda que cada indivíduo paga em proporção a todas as suas rendas somadas, como salários, alugueis, dividendos ou rendimentos de aplicações financeiras. Como, no topo dos super-ricos, a maior parte da renda vem de dividendos, que no Brasil são isentos de tributos, a carga tributária efetiva, na prática, começa a ficar menor para eles do que para os demais, que são formados em sua grande maioria por assalariados. Os dados apresentados pela Receita Federal mostram que a renda total desse 0,5% mais rico é composta em 81% em dividendos, e a alíquota efetiva paga por eles é de 2,5%. Para esses, apenas 5% vem do trabalho. Já considerado o total dos contribuintes, 70% dos ganhos vêm de salários tributados e que pagam até 27,5% de Imposto de Renda, pela tabela de faixas atual.
As novas regras também criam um imposto de 10% sobre os dividendos, a ser aplicado só quando os valores mensais recebidos pela pessoa passarem de 50.000 reais. No caso de dividendos remetidos ao exterior, todos os pagamentos terão o desconto de 10%, independentemente do valor. Os dividendos são a parte do lucro que as empresas pagam a seus donos e acionistas. Isso, de acordo com Gobetti, também deve atingir essencialmente a faixa que ganha mais de 1 milhão de reais por ano, que é onde os ganhos com dividendos predominam na composição da renda. Como, porém, a nova regra já cria também o imposto de 10% sobre a renda total, as duas novas cobranças covergem, e, ao fim, esses indivíduos deverão sair pagando 10% de alíquota efetiva total da mesma forma.
Rendas que continuarão isentas
A alíquota mínima de IR a ser aplicada à alta renda deverá incidir apenas sobre uma parcela da renda total das pessoas. O projeto já prevê que determinadas rendas que também são isentas não entrem na conta, caso dos rendimentos da poupança, de títulos financeiros incentivados, como LCAs e LCIs, e aposentadorias por moléstia grave (que são dispensadas do IR). A ideia é não anular os benefícios e incentivos que foram previstos para esses mecanismos. Se, por exemplo, um indivíduo teve ganhos no ano de 80.000 reais em dividendos e de 20.000 reais em rendimentos de LCA ou LCI, o imposto mínimo de 10% deverá ser calculado apenas dos 80.000 reais, e não dos 100.000 reais completos – ou seja, uma conta de 8.000 e não 10.000 reais em IR.
As simulações feitas por Gobetti, do Ipea, extraíram a massa de renda total de cada decil do 1% mais rico dos contribuintes e também o total de imposto pago, chegando às médias de cada grupo. A conta já considera as exclusões da base de cálculo previstas pelo projeto para chegar a qual seria a alíquota efetiva paga por esses extratos de renda atualmente, caso as regras novas já estivessem valendo, e, portanto, qual seria o ajuste a ser feito por cada um para chegar à nova alíquota mínima prevista.